FOLHA DE SP - 29/03
O que a presidente Dilma Rousseff disse na África do Sul sobre inflação e crescimento é rigorosamente o que ela pensa -e faz tempo, pelo menos desde que assumiu, há dois anos e três meses.
Não há, portanto, nenhuma razão nem para polêmica, nem para surpresa, nem para "manipulação", a não ser que a presidente tenha usado essa última palavra para se referir à especulação nos mercados. O lado cassino dos mercados, aliás, é suficientemente forte, para dispensar frases da presidente -felizes ou infelizes- nas apostas.
A primeira mais firme manifestação de Dilma em favor do crescimento se deu, curiosamente, às margens de outra cúpula dos Brics, a de abril de 2011 na China.
O governo mal completara cem dias, mas já estava em dúvida o empenho do Banco Central em trazer a inflação para o centro da meta, 4,5% então como agora.
No Fórum de Boao, considerado "Davos" da Ásia, Dilma reafirmou que são fundamentais "o controle da inflação e a estabilidade fiscal", para depois deixar claro que ambos não são um fim em si mesmo nem valor absoluto.
"Tem quer ter como objetivo criar condições para o crescimento e a inclusão social", disse. Nesse ponto, a presidente afirmou, com outras palavras, o que repetiria em Durban, ao criticar "políticas restritivas tanto nos países emergentes para conter a inflação como nos países avançados para promover a consolidação fiscal".
A presidente fez questão de se dizer favorável "ao controle da inflação e à estabilidade fiscal", desde que o objetivo seja crescimento com inclusão social, que é "questão-chave para todos nós".
Também na China Dilma deu por sepultados "os consensos que se criaram na história recente. Sob a égide do mercado ou do Estado, mostraram-se frágeis como castelos de cartas".
Não receitou, no entanto, um novo consenso, até porque afirmou não buscar "modelos únicos nem tampouco unanimidades". A única receita é fácil de dizer, difícil de descobrir: "O mundo do século 21 requer criatividade".
Vê-se agora que nem Dilma nem o mundo tiveram criatividade suficiente para pôr de pé outro modelo, se está superada, como ela crê, a política de "matar o doente [com juros altos] em vez de curar a doença [a inflação]".
Na vida real, a queda dos juros, praticada por seu governo, foi incapaz até agora de acelerar o crescimento. Pior: a "doença" da inflação parece mais viva e forte.
Mas é injusto dizer que a presidente é leniente com a inflação. Nenhum governante o é, desde que se tornaram famosos dois gráficos que Getúlio Bittencourt, então assessor de imprensa do presidente José Sarney, exibia a todos: a popularidade do presidente apontava para baixo sempre que a inflação embicava para cima e vice-versa.
Como não há político que não adore a popularidade, todos querem a inflação domesticada. Dilma também quer, desde que o crescimento não seja afetado no percurso. Como perpetrar a mágica é a matéria em que o governo está ficando em segunda época.
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