FOLHA DE SP - 29/03
RIO DE JANEIRO - A princesa beijou o sapo para fazê-lo reverter à condição de príncipe -e foi ela, ao contrário, quem se transformou em sapa. Uma variante dessa antifábula é a do homem de terno e gravata que chegou à farmácia com um enorme sapo verde e de olhos esbugalhados como um prolongamento de sua cabeça. O farmacêutico perguntou, atônito: "Mas o que foi isso, meu amigo???". E o sapo, com voz grave: "Não sei. Acordei com dor de barriga e esse sujeito apareceu debaixo de mim".
Foi o que aconteceu ao futebol brasileiro quando ele deixou de se bastar como mercado e se especializou em produzir matéria-prima -jogadores- para vender à Europa.
Com a multidão de brasileiros em gramados europeus, era inevitável que os gringos absorvessem nossas virtudes -o domínio de bola, a capacidade de driblar, as tabelinhas em alta velocidade. Em contrapartida, em vez de acrescentarmos às nossas as virtudes deles -a disciplina tática, a marcação rígida, o preparo físico-, incorporamos o que eles tinham de pior e estavam abandonando: o jogo "viril", os chuveirinhos sobre a área e a falta de criatividade individual. É o que temos hoje por aqui.
A cronologia mostra bem. Na esteira da Copa de 1970, nenhum dos tricampeões mundiais foi vendido para a Europa -e olhe que, entre eles, estavam Pelé, Carlos Alberto, Gerson, Tostão, Jairzinho, Rivelino e Clodoaldo (somente os dois primeiros saíram, mas em fim de carreira, e para os EUA). Já a realidade pós-Copa de 1982 foi outra: os italianos nos bateram às portas e levaram metade daquele time -Zico, Junior, Sócrates e Cerezo (Falcão já estava lá). A partir daí, não houve jogador brasileiro que não tivesse como objetivo exclusivo atuar na Europa.
Se a princesa virou sapa, nada mais natural que só lhe restasse o brejo -que é para onde o nosso futebol caminha.
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