O GLOBO - 02/03
Em geral, o desenvolvimento econômico e social é pensado dissociado da questão urbana; abstrai-se a dimensão territorial ou espacial da cidade
Meio ambiente, desigualdade social e mobilidade formam o conjunto de problemas urbanos mais significativo comum às grandes cidades, conforme Bernardo Secchi. Arquiteto e professor italiano, com produção urbanística em importantes cidades mundiais, considera que eles não podem ser enfrentados isoladamente, nem entre si, nem na equação espacial.
Este conceito foi realçado no âmbito do Seminário Q+50, recentemente realizado no Rio, no qual se debateram políticas urbanas para as cidades brasileiras. (O encontro é parte das comemorações do cinquentenário do histórico Seminário de Habitação e Reforma Urbana, realizado em 1963, no Hotel Quitandinha, Petrópolis — onde, aliás, se cunhou a expressão “reforma urbana”.)
De fato, o tripé ambiente-desigualdade-mobilidade está no cerne da questão urbana que caracteriza as cidades deste século XXI. Herdados da industrialização e da expansão vertiginosa das cidades, tais problemas são pensados como disciplinas autônomas. No entanto, eles são interdependentes.
No Brasil, 85% da população vivem em cidades. Aí, os problemas ambientais estão associados ao saneamento, à poluição do ar e das águas, ao consumo de combustíveis fósseis. A desigualdade social é estreitamente correlacionada ao acesso aos serviços públicos, onde a infraestrutura urbana tem papel relevante. A mobilidade se agrava proporcionalmente à expansão da cidade e à intensidade do uso do modo rodoviário — no entanto, continua sendo tratada por rodoviaristas, ainda não compreendida como um problema social, urbano e ambiental.
Mas a necessária interdisciplinaridade não se promove sem a dimensão espacial como estrutura. E este é um conceito inovador.
Em geral, o desenvolvimento econômico e social é pensado dissociado da questão urbana; abstrai-se a dimensão territorial ou espacial da cidade. Superestima-se a influência da economia sobre a forma urbana, chegando-se a admitir certo determinismo.
Mas o estudo das principais cidades tem evidenciado justamente o valor do desenho urbano na promoção do desenvolvimento, inclusive o econômico. Essa evidência se apresenta nos ganhos da superposição de funções urbanas, que sustenta a interação capaz de potencializar energias dispersas e de estimular uma das bases da economia contemporânea: o conhecimento e a inovação. Diferentemente do que se pensava, as facilidades de comunicação via web têm expandido a necessidade da interação interpessoal e social.
A democracia e a ética exigem a universalização dos serviços públicos, cuja escassez é um dos pilares da crescente desigualdade social. A falta da prestação do serviço de segurança pública é fator determinante na exclusão, no empobrecimento e na perda de cidadania. Hoje sabemos que a universalização dos serviços é indissociável da necessidade de se repensar a expansão das cidades e impedir a ocupação predatória do território e em baixa densidade.
As agendas econômica e geopolítica do Brasil subestimam a agenda urbana e, sobretudo, a metropolitana. Por quanto tempo o desenvolvimento e a democracia suportarão esse desencontro?
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