Para defender as realizações dos últimos dez anos, o PT não precisava recorrer a distorções e omissões para desqualificar os antecessores e fazer crer que o partido construiu o país do zero
Parlamentares do Democratas e do PSDB resolveram “completar” uma exposição relativa aos 33 anos do PT, no Congresso Nacional: ao perceber que os painéis da mostra passavam direto de 2004 para 2006, os oposicionistas confeccionaram uma placa referente a 2005, classificado como “o ano do mensalão”, e a colocaram no corredor da Casa. Deputados petistas se irritaram e os parlamentares de situação e oposição quase se agrediram. O cartaz acabou removido e, independentemente da opinião que se possa ter sobre o episódio, ele oferece uma oportunidade para discutir as continuadas tentativas, feitas pelo partido hoje no poder, de reescrever a história, distorcendo ou omitindo os fatos na construção de uma narrativa praticamente épica.
No mês passado, o PT, a Fundação Lula e o Instituto Perseu Abramo publicaram uma cartilha de 28 páginas dedicada a exaltar os primeiros dez anos de petismo na Presidência da República. O leitmotiv da publicação é a comparação entre os dois mandatos de Lula e a primeira metade do mandato de Dilma Rousseff com os oito anos da gestão de Fernando Henrique Cardoso, na tentativa de exaltar o governo petista e desqualificar o período FHC, descrito como de “subordinação nacional aos desejos dos grandes detentores de riqueza financeira e dos grupos geradores de divisas internacionais” e de “decadência induzida pela rota da neocolonização neoliberal”, e que “apequenou o país, interrompendo o longo e tortuoso processo de construção do Estado nacional”.
A cartilha petista, no entanto, apresenta estatísticas distorcidas. Reportagem da Folha de S.Paulo publicada logo após a divulgação do folheto de 28 páginas dá exemplos como o trecho no qual se afirma que antes da era Lula “o país permaneceu prisioneiro do estado crônico da semiestagnação econômica, capaz de acorrentar inacreditavelmente 45 brasileiros a cada 100 na condição de pobreza absoluta”, quando a taxa de pobreza no último ano de governo tucano era de 34%. Ou o trecho segundo o qual até o fim desta década “o país deve se situar entre as quatro maiores economias globais e ser o primeiro na exportação agrícola do mundo”, quando o estudo da PriceWaterhouse Coopers estima esse patamar apenas para o ano 2050.
À distorção soma-se a omissão. Quando, por exemplo, a cartilha compara os índices de inflação acumulada – 106,5% nos oito anos de FHC, contra 76,5% nos dez anos de petismo –, deixa de fora a informação de que, entre 1987 e 1994, o período de oito anos anterior a FHC, a inflação acumulada tinha sido de 32.659.187.563%, ainda segundo a Folha de S.Paulo. Ou seja, o esforço principal do combate à inflação foi feito justamente durante o governo tucano e no último ano de Itamar Franco, graças ao Plano Real, capitaneado pelo próprio Fernando Henrique Cardoso, e ao qual o PT se opôs – informação que, obviamente, o folheto petista não menciona.
O objetivo da cartilha, ao fim, é dar a impressão de que Lula e o PT assumiram um país aos frangalhos e o colocaram nos trilhos, quando tal descrição estaria mais adequada ao período anterior, em que, a despeito de todos os equívocos que a gestão tucana possa ter cometido, a hiperinflação foi debelada, o sistema bancário foi saneado e o processo de privatizações permitiu investimentos que o Estado brasileiro não era capaz de realizar, como no caso das telecomunicações. Aliás, ao oferecer aeroportos à iniciativa privada, o governo Dilma nada mais faz que recorrer ao mesmo expediente que condena no caso do governo do PSDB, por mais que insista em uma terminologia própria para evidenciar possíveis diferenças.
Lula, Dilma e o PT têm resultados próprios para mostrar em seu favor, e que tornariam desnecessárias comparações como as da cartilha divulgada dias atrás. O fato de recorrer a distorções e omissões nos números só serve para desmoralizar ainda mais a incapacidade petista de reconhecer os méritos de seus antecessores, e a obsessão em se mostrar melhor que os governos anteriores. O que fica evidente é o esforço em construir uma mitologia de um país erguido do zero graças unicamente aos esforços do PT. No entanto, esta narrativa é nada mais que isso: um mito.
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