VALOR ECONÔMICO - 27/03
A recusa do PSC a atender um apelo da Câmara para trocar um deputado do partido, iniciante e já desmoralizado presidente da Comissão de Direitos Humanos, o evangélico Marco Feliciano, denunciado como homofóbico e racista, que não conseguiu levar adiante nenhuma reunião tal o barulho do protesto que enfrenta, é um exemplo da falta de preparo dos políticos, dos partidos, dos candidatos, do governo, dos marqueteiros em geral para os temas da moral e da religião que afloram nas campanhas eleitorais.
São questões que passam três anos em branco, até surgirem como uma onda avassaladora no palanque. Afirma-se que foram os temas religiosos, os dogmas, as questões morais e as posições definidas inadequadamente no plano de marketing que levaram a presidente Dilma, em 2010, a disputar o segundo turno. Sabendo-se disso, alega-se que é preciso fazer algo para que candidatos não fiquem à mercê dos malafaias do palanque. Mas nada se faz.
O mais simples, coerente e normal seria atribuir a esse tipo de tema uma definição de foro íntimo. Cada candidato pensa como pensa, defende o que defende, em lugar de se transformar em marionete da rede social ou da marquetagem. Mas as questões religiosas e morais já estão, no momento, gritando aos partidos que novamente derrubarão e erguerão candidatos se a elas não for dada a atenção devida.
Custa a um candidato convencer-se, e uma vez convicto, assumir a posição, que obrigar a mulher a cumprir pena por aborto é uma crueldade adicional? As mulheres evangélicas e católicas não fazem aborto? Não há mulheres divorciadas no catolicismo? Não há gays nas famílias evangélicas? Imagina-se que o candidato seria compreendido pelo seu eleitorado seja qual for sua posição, mas nenhum quer testar. Pode dizer, também, que é radicalmente contra o aborto por razões religiosas, e seguir em frente com sua campanha a presidente, a senador, a vereador, a deputado, vendendo um plano de ação para o país, não para os que dirigem os ofícios religiosos e, pior ainda, que se elegem com ele.
E o divórcio? E os métodos contraceptivos? E a união homoafetiva? Como todas as questões que deixam os políticos ao sabor do socorro de um amigo padre, de um pastor, de um chefe da torcida do time da Igreja, o Supremo Tribunal Federal já os ajudou na montagem de um arcabouço jurídico sobre algumas dessas questões, mas nem desse ponto de vista conseguem transitar por elas em campanha. Buscar na sua consciência, na sua formação, na filosofia e na modernização da sociedade um pensamento racional, então, dá ainda mais trabalho.
Há políticos com liderança nos partidos que acreditam ser este tema do interesse da mídia, um problema que comove mais a crônica política que o eleitor. Não é verdade, e estão aí os avanços da sociedade para mostrar o contrário, bem como as manifestações do eleitorado em pesquisas de opinião.
Não adianta esperar que se reduza a força desses grupos religiosos que estão se transformando em forças eleitorais complexas, principalmente nas campanhas proporcionais. Nas majoritárias, expõem o candidato, mais do que o elegem. O governo nada está fazendo, também, para que a presidente Dilma enfrente a disputa de 2014 mais confortável no discurso. Não se tem notícias que, além do marqueteiro oficial, o ministério da Mulher, o da Justiça, o da Saúde ou o secretário-geral da Presidência, responsável pela temática religiosa no governo Dilma, estudem o assunto.
Depois não venham reclamar porque Dilma ficou exposta aos malafaias do palanque. Persistem no erro os que não percebem o crescimento do problema, a cada eleição, o potencial de contradição e constrangimento nele contido. O candidato se vê no meio do tiroteio e diz qualquer coisa, criando reviravoltas eleitorais para desmentir os que imaginam que o assunto não tem a relevância imaginada.
Pesquisa Datafolha, de 21 de março, que entrevistou 2.653 eleitores em 166 municípios, revelou que 58% se disseram católicos, 21% evangélicos e pentecostais. No IBGE, o percentual de católicos na população chega a 64%, e já se divulgou pesquisa mostrando que, no Brasil, os evangélicos somam mais de 40% da população. Não dá para apostar que esse contingente se deixe levar, eleitoralmente, pelos dogmas religiosos. Até porque as contradições afloraram de uma maneira contundente também na sociedade, fato evidenciado nas últimas semanas.
Mostrou-se que os brasileiros querem que o papa seja liberal, mas rejeitam o aborto e o casamento gay. A Igreja Católica deveria, revelou a pesquisa, ser mais liberal em temas como contracepção e divórcio. Boa parte dos brasileiros discorda de posições da igreja. A divergência maior diz respeito ao uso de métodos para evitar a concepção. Para 83% o papa deveria orientar a Igreja a se posicionar a favor do uso de preservativos e 77% defenderam a pílula anticoncepcional, enquanto 61% são favoráveis a que o papa aceite o uso da pílula do dia seguinte pelas mulheres, método considerado abortivo pela Igreja.
Portanto, discute-se tudo, muda-se de posição, avança-se, e há até o crescimento do contingente de eleitores que se declararam, nas últimas pesquisas, sem religião. O drama está na rua e a sociedade nesse tipo de questão está mais avançada que as instituições religiosas e os partidos políticos. Os dogmas vão estar em evidência, este ano, como já estiveram na oportunidade da eleição do papa e na distribuição do poder no Congresso, com a jornada mundial da juventude, a ser realizada no Brasil. Já se questiona o ensino religioso nas escolas. Ebulições que acontecem à revelia dos políticos.
Que façam um conclave para definir como vão tratar o assunto, que convoquem os especialistas do partido, que levem o problema às convenções. A quantidade de bobagens ditas por ocasião da eleição do papa e das eleições de evangélicos homofóbicos na Câmara revela que, por enquanto, estão fadados a sucumbir à condução da propaganda e dos escândalos montados nas redes sociais.
Quem souber tratar isso vai fazer toda a diferença.
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