Pesquisando sobre a linguagem dos políticos, tema sobre o qual escreveria na coluna que se segue, encontrei a seguinte definição do escritor inglês George Orwell: "A linguagem política destina-se a fazer com que a mentira soe como verdade, e o crime se torne respeitável, bem como a imprimir ao vento uma aparência de solidez." É uma visão cética da atividade política, que não corresponde exatamente à minha, mas dá bem a medida de como os políticos, não só os brasileiros e não de agora, são vistos pela opinião pública.
Os casos que analisarei aconteceram nos últimos dias e não revelam tão graves distorções de caráter dos envolvidos, mas de qualquer maneira são exemplos saídos do forno de como se deve ter cautela com a linguagem dos políticos. A presidente Dilma foi a Serra Talhada para pela primeira vez encontrar-se oficialmente com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, tido e havido como seu provável adversário em 2014, em seu território político. No entendimento generalizado, a presidente mandou um recado para seu quase ex-aliado, dizendo que é impossível governar sem uma coalizão forte, mas que precisava de parceiros comprometidos com o projeto de governo. Pois ontem Campos garantiu que não entendeu a frase como um recado indireto e foi peremptório: "A presidente Dilma não é mulher de mandar recados, e nem eu sou homem de receber recados. Ela não é dada a esse tipo de conversa, e nem eu".
Parece uma resposta altiva, de quem não se deixa emparedar nem mesmo pela presidente. Na verdade, porém, é absolutamente necessário para Campos fingir que não entendeu o recado dado, pois o entendimento o obrigaria a tomar uma decisão agora, sair do governo, entregando todos os cargos, ou desistir de sua provável candidatura.
Essa última hipótese, aliás, era motivo de especulação ontem em Brasília. Não foram poucos os que viram na fala de Campos sinais de que ele está começando a recuar de seu projeto de voo solo. Não que ele tenha admitido isso, mas usou palavras mais ambíguas do que tem usado e, sobretudo, adiou para abril de 2014 a decisão oficial, quando havia dito que em setembro deste ano ele se decidiria, para dar aos companheiros de partido tempo suficiente para se organizarem, seja qual for a decisão.
Um recuo, a esta altura do campeonato, seria ruim para a oposição, pois fortaleceria a base aliada, mas seria pior ainda para o jovem Eduardo Campos. Indicaria que ele avaliou como insuficientes seus apoios para enfrentar o favoritismo de Dilma. Mas, sobretudo, seria uma demonstração de fraqueza diante do PT e do PMDB que colocaria o PSB em situação mais frágil ainda na coalizão. Também os tucanos andam usando as palavras de maneira a não esclarecer o quadro político. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, achava que o senador Aécio Neves não deveria ser o presidente do PSDB, concordando com o ex-governador José Serra. Na reunião do partido na segunda-feira, ele acabou se convencendo de que seria bom para Aécio presidir a legenda, assim poderia viajar pelo país para organizar o partido, ouvir as famosas bases partidárias.
Tudo isso para quê? Para tornar-se um candidato à Presidência mais forte, está subentendido. Mas ontem, talvez temendo ter ido além do que deveria, Alckmin fez questão de ressaltar que o fato de apoiar Aécio para presidente do PSDB não significa necessariamente lançá-lo como candidato à Presidência da República. É claro que não, embora seja improvável que levem Aécio a realizar trabalho de reestruturação partidária para que ele desemboque em outra candidatura. E se Aécio não é o candidato putativo dos tucanos, que força terá ele para fazer as reformas que pretende? O comentário de Alckmin indica que ele ainda tem dificuldades para apoiar integralmente a candidatura Aécio à Presidência. Passos importantes foram dados nessa direção, e nem Aécio quer ser anunciado candidato agora.
Mas certos comentários revelam mais pelo que não dizem, e é essa a marca da linguagem dos políticos. Patrick Charaudeau, professor na Universidade de Paris-Nord (Paris 13), uma das maiores autoridades mundiais em análise do discurso, compara o discurso político a um jogo de máscaras. "Toda palavra pronunciada deve ser tomada ao mesmo tempo pelo que ela diz e não diz. Jamais deve ser entendida ao pé da letra, numa transparência ingênua, mas como resultado de uma estratégia cujo enunciador nem sempre é soberano".
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