O GLOBO - 27/03
A crise que pulverizou o “paraíso financeiro” de Chipre deve ser entendida como um alerta ao mundo sobre tibiezas no trato do sistema bancário. Parece desproporcional uma ilha que representa apenas 0,2% do PIB da zona do euro colocar o mercado financeiro global em estado de alerta. Mas é o que acontece quando o manejo da órbita financeira da economia, setor de alto poder de destruição se mal regulado, escapa dos limites da sensatez.
A origem do atual desastre, em que o rombo dos dois bancos cipriotas equivale a 47% do PIB do país, está na criação do “paraíso”, na década de 80, durante a recuperação da economia cipriota depois da invasão turca de 1974. Veio a adesão ao euro e, com ela, a festa: moeda forte, crédito abundante e barato, o mesmo filme de roteiro feliz que passou em Portugal, Grécia, Espanha etc. O final é conhecido.
A crise cipriota apanhou no contrapé bilhões de dólares de russos — consta que parte de origem suspeita — e até economias de aposentados ingleses amantes do sol do Mediterrâneo. Se tiverem depósitos/aplicações inferiores a € 100 mil, estarão livres do prejuízo. Pelo menos por enquanto. Mas, na primeira e temerária versão do resgate de Chipre, todos os depositantes seriam punidos, mesmo que € 100 mil sejam o limite de segurança adotado na Europa, até o qual o dinheiro de depositantes e investidores está preservado. Depois de duras negociações, a “troika” (Comissão Europeia, FMI e BC europeu) concordou em manter a salvo as contas até este limite e usar o restante para, somado aos € 10 bilhões liberados pela UE, manter Chipre em pé.
No balanço de erros, até agora, há o crasso cometido pela “troika” de ameaçar todos os depositantes. Com isso, lançou a semente de uma corrida bancária no próprio continente. A falha foi corrigida, embora não se saiba se o medo do confisco foi totalmente eliminado. Há outra: a demora da União Europeia em criar a autoridade bancária centralizada que supervisionará os bancos de algum porte, para agir antes dos incêndios. Será preciso um Proer, usado no Brasil com habilidade para sanear o sistema sem traumas.
Se não fosse o sistema financeiro globalizado, o mundo não teria passado por um ciclo histórico de desenvolvimento, China à frente. Mas foi também a leniência do Fed (Federal Reserve, BC americano), ao fixar taxas de juros muito baixas, durante muito tempo, que semeou bolhas de crédito nos Estados Unidos e no mundo. A bolha imobiliária americana estourou, e o resto já é História.
Cabe a lembrança no momento em que o governo brasileiro executa uma política também voluntariosa de alavancagem de bancos públicos por meio do endividamento do Tesouro, inclusive com artifícios contábeis para maquiar a situação fiscal da União. Em boa hora, BNDES e CEF tiveram a nota de risco rebaixada pela agência Moody`s. Outro alerta sobre leniências bancárias. O Chipre parece um lugar distante de tudo. Não é bem assim.
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