Impossível não transportar os problemas da Igreja nos últimos anos às agruras da política brasileira, em que as mudanças, a grosso modo, praticamente não ocorreram, o que afasta as pessoas
“Meu Deus, isso é um sinal do fim dos tempos”, reagiu um senhor assim que foi informado da renúncia do Papa Bento XVI, uma atitude tão inusitada que não acontecia desde a Idade Média e, ainda assim, por circunstâncias políticas, conforme você poderá ler nas páginas do Correio de hoje. Mas a retomada de uma medida tão extrema indica que o recurso não caiu em desuso e serve para encerrar um período complicado para o Vaticano, com denúncias de pedofilia, apropriação indevida de documentos da Igreja por parte do mordomo do Papa, ameaça de cisma, crescimento de outras religiões. Agora, se os cardeais forem devidamente iluminados na escolha do sucessor do Santo Padre, a Igreja Católica terá a chance de ganhar energia e, assim, tentar recuperar o terreno perdido.
Ao renunciar, o Papa Bento XVI abre novamente as portas da Igreja para mudanças, necessárias e urgentes no sentido de aproximação das pessoas e resolução dos problemas internos. Há quase um ano, jornalistas dedicados à cobertura do Vaticano mencionavam o clima de fim de pontificado reinante nos bastidores e o desencanto dos fiéis. Daqui até a escolha do novo papa, nem que seja por curiosidade, muitos vão procurar conhecer mais a Santa Igreja, suas qualidades e seus defeitos. E um novo papa, na Jornada Mundial da Juventude, pode ser tudo o que o Vaticano precisa para animar a moçada no caminho da fé e buscar resolver problemas internos.
Impossível ainda não transportar os problemas da Igreja nos últimos tempos (e essa porta aberta à renovação) às agruras da política brasileira, em que as mudanças, a grosso modo, praticamente não ocorreram. Para se ter uma ideia, nos funerais do Papa João Paulo II, em 2005, o então presidente Lula foi acompanhado de uma grande comitiva. Nela, estavam os então presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE). Lula fez um gesto de levar os ex-presidentes da República José Sarney e Fernando Henrique Cardoso. Itamar Franco, que faleceu no ano passado, era embaixador do Brasil na Itália. Faltou apenas o ex-presidente Fernando Collor, que à época ainda era visto pelo PT como um adversário.
Desde a posse de Bento XVI até hoje, muita água rolou sob a ponte da política brasileira, mas as renovações a grosso modo foram restritas e forçadas. No PT, por exemplo, a renovação só ocorreu por força da denúncia do mensalão, que tirou de cena uma grande parcela do primeiro time, com destaque para José Dirceu, que não ocupou mais nenhum cargo de evidência e está prestes a ir para a cadeia. José Genoino voltou ao Congresso, mas todos os dias alguém cobra seu afastamento.
No PMDB, essa renovação não veio. Os cargos principais do partido, salvo raríssimas exceções, continuam com o mesmo grupo. No PSDB, 2010 teve novamente José Serra como candidato. Isso sem contar a cansativa disputa entre mineiros e paulistas dentro do partido, que, sinceramente, ninguém aguenta mais. No PP, colocar um novo líder foi uma guerra. No PR, Valdemar Costa Neto, embora discretíssimo, ainda tem a força. No PDT, Carlos Lupi é quem dá as cartas.
Em termos de presidentes da República, Dilma só existe enquanto mandatária da Nação — uma novidade — porque Dirceu e Antonio Palocci, cotados para suceder Lula, sucumbiram. E os outros que poderiam ocupar o posto naquelas circunstâncias teriam problemas internos. Agora, dentro do partido, já tem um grupo sonhando com o retorno do ex-presidente. Mais um sinal de que renovar não é tão fácil quanto parece. Esperamos que a Igreja consiga.
Por falar em Lula…
De todos os políticos mais antigos que continuam em evidência, são poucos os que se mostram solidários com as pessoas de um modo geral, que acolhem o povo como parceiro e não alguém inferior. Talvez seja esse o segredo da popularidade de Dilma, que passa essa imagem de solidariedade e de proteção. Ou o de Lula, que fala de igual para igual com os cidadãos nos palanques. Muitos podem discordar dele, mas há de se admitir seus méritos. Lula parece ter sido, até o momento, o único a captar a mensagem de mudança vinda das pessoas. A Câmara e o Senado não captaram. A Casa Alta está mais em evidência e começa essa Legislatura com o constrangimento de abaixo-assinados.
As pressões externas, entretanto, não surtirão efeito a curto prazo. O momento dos presidentes das duas Casas, reforçados pelos votos que obtiveram, é o de tentarem se reinventar nos cargos. Henrique Eduardo Alves deu a partida nesse sentido. Renan Calheiros está mais contido. Se eles conseguirem ultrapassar essa fase, talvez ainda tenham alguma condição de reaproximar o parlamento das pessoas. Afinal, embora o estado seja laico, a Igreja e Congresso Nacional nunca estiveram tão juntos em termos de objetivos. O tempo dirá quem cumprirá primeiro a sua meta.
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