O ESTADÃO - 12/02
São bem conhecidas as distorções e disfunções do sistema tributário brasileiro. A carga tributária é excessiva, rivaliza com a de países ricos, quando não a supera, e se situa muito acima da presente nas economias de porte semelhante. Além disso, os tributos que a compõem são de má qualidade, acentuam as desigualdades de renda, afetam negativamente a competitividade da economia e são difíceis tanto de cobrar quanto de pagar. Em resumo, se os maiores especialistas fossem reunidos para elaborar o pior sistema tributário que conseguissem este não seria tão ruim quanto o brasileiro.
Esse péssimo conceito, que acompanha o sistema brasileiro há pelo menos quatro décadas, acaba de ser mais uma vez confirmado. A confirmação pode ser encontrada num excelente levantamento publicado nos primeiros dias de fevereiro pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O estudo, de autoria do economista José Roberto Afonso, uma referência entre os especialistas em questões tributárias no Brasil, em conjunto com os economistas Kleber Pacheco de Castro e Julia Morais Soares, com o título "Avaliação da estrutura e do desempenho do sistema tributário brasileiro:livro branco da tributação brasileira", em sua versão de janeiro de 2013, com dados atualizados até junho do ano passado, (http://idbdocs.iadb.org/wsdocs/getdocument.aspx?docnum=37434330), conclui que enfrentar "a má qualidade dos tributos é um desafio maior do que a quantidade arrecadada".
As bases do sistema tributário vigente, lembra o estudo, foram lançadas na década de 60,comas reformas promovidas pelos governos militares. Até então, a carga tributária era baixa, tendo avançado de 13,84% do PIB, em 1947, para 15,76%, em 1962. Com as reformas, o crescimento da carga tributária explodiu, escalando gradual, mas com aceleração e firmeza, para 26,01%, em 1972, num fenômeno parcialmente explicado pelos efeitos do "milagre econômico".
Um novo surto de alta na carga tributária ocorreria a partir do Plano Real, como contrapartida, também em parte, do bem sucedido programa de estabilização monetária, do equacionamento de dívidas estaduais e do saneamento de vários esqueletos acumulados ao longo da "década perdida", de fins dos anos 70 a início dos anos 90. No período de 1994 aos dias atuais, a carga galgou de 26% do PIB para perto de 30%, em 1999, superou 32%, em 2003, e alcançou um pico de 35,6%, em 2008.
Nesse período, as transformações na economia brasileira foram, em diferentes aspectos, especialmente significativas. Da estabilização da moeda aos ganhos na redução da pobreza e das desigualdades, o País passou por mudanças estruturais,ancoradas em reformas institucionais. Mas o sistema tributário permaneceu imune a tudo isso e, apesar do discurso recorrente em prol de reformas na área, nenhuma tentativa mais abrangente, capaz de corrigir distorções e adaptar a legislação aos novos cenários econômicos, teve sucesso.Como destacam os autores do estudo publicado pelo BID, se "não há a menor dúvida de que o sistema precisa ser reformado, não existe também um consenso, nem mínimo, sobre como empreender tal mudança".
Do detalhamento da carga tributária pela origem dos tributos que a compõem e seu peso na arrecadação total, o estudo de Afonso e seus colegas reafirma, com informações atualizadas, um diagnóstico, infelizmente, conhecido. Além do forte incremento no volume de arrecadação, nas seis décadas que vão do Pós-Guerra aos dias atuais, equivalente a impressionantes um quarto do PIB, o sistema tributário brasileiro reforçou, ao longo desse período, distorções de todos os gêneros.
Essas distorções, segundo o levantamento, vão "desde a complexidade, o pesado ônus para gerir os impostos, a iniquidade, a cumulatividade latente e a oneração indireta de exportações e investimentos produtivos,até uma guerra fiscal entre membros federados sem precedentes em outras federações".
É possível imaginar o sistema tributário como uma espécie de impressão digital das características sociais e comportamentais de uma sociedade. Assim, não errará quem derivar do velho e conhecido provérbio uma versão tributária: diz-me como tributas e te direi quem és. Se essa relação fizer sentido, com o sistema tributário que temos, estamos muito mal na fotografia.
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