O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, estava em Berlim na segunda-feira. Tinha na ponta da língua um grande discurso no qual pediria à chanceler alemã, Angela Merkel, que cedesse um pouco e tomasse iniciativas destinadas a relançar o crescimento na Europa.
Infelizmente, o discurso ficou entalado na garganta do chefe de governo da Espanha, pois dois jornais, El País (centro-esquerda) e El Mundo (direita), faziam revelações detestáveis a respeito de Rajoy. O herói da virtude e do rigor ficou num estado lastimável depois de ouvir as acusações. O adjetivo era usado de modo incorreto: o incorruptível era um corrupto.
O ex-tesoureiro do Partido Popular Luis Bárcenas afirmava que os quadros do partido conservador, com Rajoy à frente, haviam recebido complementos salariais por baixo do pano até 2008. Desde a noite de domingo, o líder do Partido Socialista, Alfredo Pérez Rubalcaba, pedia a demissão de Rajoy.
O mais estranho é que os espanhóis sabiam há muito tempo que seus dirigentes, tanto da esquerda quanto da direita, praticavam animadamente o esporte da corrupção. Mas estavam conformados com essa praga, pelo menos desde que a Espanha ia de vento em popa, enriquecia, construía imóveis sem parar (aliás, muito feios, que desfiguraram uma das paisagens mais suntuosas do mundo) nos quais a nova burguesia passou a se instalar. Essa situação durou até 2008. Naquele ano estourou a crise. E foi um furacão. As famílias não puderam mais cumprir suas obrigações financeiras. Expulsas de suas novas habitações, acordaram na rua.
Naquelas circunstâncias, os mesmos espanhóis atirados à sarjeta foram informados de que os políticos, não satisfeitos com seus bons salários, recebiam complementos. O cinismo tornou-se um insulto à miséria e à virtude. Apesar dos esforços corajosos e da ajuda da Europa, a Espanha foi perdendo fôlego. Agora, a desocupação destrói a sociedade: 55% dos jovens não têm emprego. Sobrevivem morando com os pais. O desespero pode levar a fugas perigosas (drogas, extremismos de direita ou de esquerda, aversão pelo "político", tráfico, etc.). A sociedade espanhola se desfaz.
Felizmente, a Espanha tem um rei, a instituição monárquica que mantém a coesão da nação. Mas, infelizmente, este ano ficamos sabendo de duas coisas a respeito de Juan Carlos: em primeiro lugar, no que diz respeito às mulheres, ele seria uma espécie de Dominique Strauss-Kahn. Tem o hábito de mostrar-se carinhoso com todas as que encontra em seu caminho. E, em segundo lugar, há alguns meses, ele se machucou numa viagem à África tropical. E como foi que ele se feriu, coitado? Bom, participava de um safari e escorregou. Um rei matar animais selvagens!?
Rajoy tentará construir uma barragem contra a maré destas hediondas revelações. Não será fácil. A Espanha, já desmantelada, voltará a fazer água. O que não é um bom auspício para a União Europeia. Bruxelas acreditava estar vendo "o fim do túnel", depois de quatro anos de dramas. Uma crise política, e então econômica, num país tão importante quanto a Espanha, poderá tornar o túnel mais longo do que já é. Tradução de Anna Capovilla.
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