O Estado de S.Paulo - 06/02
A bandeira da recuperação do papel do Congresso Nacional, alçada pelos seus novos dirigentes, o senador Renan Calheiros e o deputado Henrique Alves, mereceria respeito não fosse por um detalhe: os fins que os movem e os meios a que recorrem para alcançá-los. Se o espírito público tivesse algo que ver com uma coisa e outra - e com os votos que os elegeram entre a sexta-feira passada e anteontem -, a democracia só teria a ganhar com o advento de uma nova relação de forças entre o Executivo (hegemônico) e o Legislativo (desidratado). Isso não apenas revigoraria o debate das questões nacionais, que desapareceu dos plenários federais, como, ao menos em tese, aumentaria a probabilidade de que as leis do País resultassem antes de entendimentos amadurecidos entre os dois Poderes do que da vontade dominante do Planalto.
Não é que o Executivo não perca votações no Congresso, quando grupos de interesses dos quais os parlamentares são devedores fazem valer a sua influência. Mas o ponto central é que a agenda legislativa é sabidamente caudatária das intenções dos governantes de turno. E a verdade desalentadora é que as declarações de independência que emanaram esses dias do Congresso têm por meta exclusiva ampliar a capacidade de barganha das caciquias da base aliada - não para cumprir os programas políticos das suas agremiações, pois estes só existem pro forma, nem para produzir leis melhores, mas para encarecer o pedágio que o Planalto é constrangido a pagar nas votações, sob a forma de cargos, verbas e obras nos currais de suas excelências. Um partido como o PMDB de Renan Calheiros e Henrique Alves simplesmente não existe para outra coisa. Tampouco eles e suas corriolas.
A altissonância dos seus pronunciamentos teve ainda uma finalidade imediata: abafar, como que no grito, os escândalos de que são protagonistas. Um, o senador, denunciado por peculato, falsidade ideológica e utilização de documentos falsos. Outro, o deputado, alvo de uma ação de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito. Daí o coro, engrossado pelo então presidente da Câmara, o petista Marco Maia, no seu discurso de saída, de que a imprensa transmite uma imagem degradada da instituição parlamentar e do ofício de seus membros. Até a presidente Dilma aderiu à farsa ao afirmar, em mensagem ao Congresso, que a atividade política vem sendo "vilipendiada". Se falou para fazer um agrado aos presumíveis vilipendiados ou porque acredita nessa enganação, pouco importa. O fato singelo é que o vilipêndio da política não existe porque a política deixou de existir, fulminada pela combinação letal de uma maioria que só se ocupa de seus interesses e de uma oposição sem voz nem rumo. O que há e viceja são crimes cometidos pelos políticos de que a imprensa e a Justiça se ocupam.
Não admira que contra essas instituições se volte a fúria do PT, na esteira do julgamento do mensalão, com o endosso de seus companheiros de proveitosa viagem. O ex-presidente da Câmara, Marco Maia, inventou a patranha de que "setores da grande imprensa questionam a existência e a própria finalidade do Poder Legislativo" e se disse preocupado com as "interpretações circunstanciais da Constituição por parte do Judiciário". O que está em jogo é a decisão do STF sobre o destino dos mensaleiros condenados com assento na Câmara: José Genoino e João Paulo Cunha, do PT, Valdemar Costa Neto, do PR, e Pedro Henry, do PP. A Corte entendeu que, findo o julgamento, eles serão automaticamente cassados. É o que determina o artigo 55 da Carta: "Perderá o mandato o deputado ou senador que (…) sofrer condenação criminal com sentença transitada em julgado". Já Henrique Alves acha "lógico" que a palavra final seja da Câmara, por terem sido os seus membros "abençoados pelo voto popular".
A bênção não basta. Como o presidente do STF, Joaquim Barbosa, explicou ao chegar para a posse de Alves, "no Brasil (em relação a), qualquer assunto que tenha natureza constitucional, uma vez judicializado, a palavra final é do Supremo Tribunal Federal". Nada mais disse - nem precisava.
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