O preocupante da manifestação presidencial é que ela tende a encobrir as razões pelas quais os agentes políticos aparecem como vilões da democracia nacional.
A mensagem que a presidente Dilma Rousseff encaminhou ao Congresso Nacional, na abertura dos trabalhos legislativos, na última segunda-feira, merece profunda reflexão dos brasileiros. Para manifestar seu "sincero reconhecimento ao imprescindível papel do Congresso Nacional na construção de um Brasil mais democrático, justo e soberano", a chefe do Executivo reconheceu que a atividade política está sendo vilipendiada no país. Compreensível: naquele momento e naquela circunstância, o interesse explícito da chefe do Executivo era conquistar a simpatia do Congresso para que continue sendo, como ela mesmo definiu no texto, um "parceiro crítico e, ao mesmo tempo, colaborativo". Resta examinar, porém, por que a atividade política está sendo vilipendiada e por quem.
Em primeiro lugar, é preciso que se reconheça como verdade a afirmação da presidente. Vilipendiar, segundo o dicionário mais popular do país, significa "tratar com vilipêndio, ter ou considerar como vil, desprezar, repelir". Não há dúvida de que expressiva parcela da população brasileira, possivelmente a maioria, repele e despreza a atividade política. Também é inquestionável que a imprensa, na sua condição de porta-voz da sociedade, reproduz esta percepção. Não passa dia sem que algum político apareça como protagonista de notícias negativas e de práticas lesivas aos interesses dos cidadãos. O preocupante da manifestação presidencial é que ela tende a encobrir as razões pelas quais os agentes políticos aparecem como vilões da democracia nacional.
Se a sua intenção não fosse afagar o Congresso, o que é compreensível numa mensagem de saudação, a própria presidente poderia ter acrescentado que a razão de tanto vilipêndio é a mesma que a levou a afastar sete ministros de seu governo nos dois primeiros anos de administração. O presidente do Supremo Tribunal Federal, que estava presente na cerimônia de abertura dos trabalhos legislativos, também poderia ter contribuído com a sua parte, esclarecendo por que, como relator do processo conhecido como mensalão, condenou à prisão parlamentares, presidentes e altos funcionários de partidos políticos. Num improvável ato de contrição, talvez os próprios presidentes das duas casas legislativas que comandavam a cerimônia pudessem explicar à nação que as irregularidades de que estão sendo acusados contribuem para que a política esteja tão vilipendiada.
Se eles não explicam, explicamos nós: a política só virou sinônimo de corrupção no país porque alguns governantes, ministros, parlamentares e servidores desonram a representação que lhes foi concedida pelos cidadãos. O vilipêndio, portanto, não é gratuito, nem mal-intencionado: é uma reação legítima da sociedade.
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