O Estado de S.Paulo - 23/01
As decisões de política econômica dependem da articulação e do peso da influência dos diferentes agentes - políticos, empresários, trabalhadores, opinião pública, mídia - e do ambiente onde ocorrem as complexas relações entre economias. Nesse contexto, opções são tomadas, caminhos são traçados e mudanças ocorrem. Desde o governo Itamar Franco, a política econômica se organizou sobre o pilar do controle da inflação, admitindo-se a estabilidade monetária como condição necessária tanto para o crescimento sustentado como para garantir o poder de compra dos salários, contribuindo para a criação de empregos e para a redução das desigualdades. Essa estratégia foi consolidada no governo FHC, com reformas econômicas, e mantida no governo Lula.
Não que não houvesse mudanças ao longo desses 16 anos. Ao contrário, no início do segundo mandato de FHC ocorreu uma transição na estratégia de controle da inflação, ao decidir-se (ou ser levado a) abandonar a âncora cambial. Nesse momento, adotou-se o regime de metas de inflação com âncora fiscal na geração de superávits primários necessários para a redução da razão dívida pública/PIB e, simultaneamente, permitiu-se a flutuação da taxa de câmbio. Foi mantido o princípio básico de que a inflação deveria ficar sob controle. Com a eclosão da crise financeira em 2008, o ambiente externo se alterou e novas mudanças foram feitas, principalmente visando ao estímulo ao consumo no curto prazo, conservando o compromisso com a busca da meta de inflação. Um aspecto comum nesses momentos de transição foi a transparência na informação à sociedade e ao mercado, quer na divulgação do Programa de Ação Imediata (PAI), em 1993, quer na apresentação do tripé macroeconômico em 1999, quer, ainda, na carta do então candidato Lula ao povo brasileiro, em 2002.
Ao flexibilizar o controle da inflação, o atual governo iniciou uma nova transição na política econômica, de forma "envergonhada", se posso tomar emprestados neste artigo os adjetivos que Elio Gaspari utilizou nos títulos de seus livros sobre a ditadura. Nenhum esclarecimento sobre a mudança foi tornado público. Já por três anos consecutivos a inflação superou o centro da meta. Como demonstra Informe Especial da A.C. Pastores & Associados divulgado este mês, o Banco Central está comprometido com a meta de 5,5%, e não de 4,5%, como preestabelecida pelo Conselho Monetário Nacional. Também não há mais um sério compromisso com a geração de superávits primários e a política cambial tenta manter o valor do dólar no intervalo de R$ 2 a R$ 2,10.
Segundo declarações recentes de autoridades da área econômica do governo, a transição na política econômica agora está "escancarada". O pilar do controle da inflação foi substituído pelo do desenvolvimento econômico que é sinônimo de crescimento industrial, como no passado. O principal instrumento para estimular a produção (competitividade?) da indústria é a desvalorização da moeda. De volta à velha política de administração do câmbio para promover o crescimento. Tenta-se compensar seus efeitos sobre a inflação através do controle dos preços administrados, como dos derivados do petróleo, da energia e das tarifas de ônibus, onde há impacto sobre a coleta dos preços para medir a inflação. Prática dos tempos negros da ditadura. A disciplina fiscal foi abandonada. A dívida pública bruta cresce para permitir que o BNDES ofereça crédito subsidiado à indústria e mecanismos não ortodoxos são adotados para forjar o superávit primário.
Ademais, o Estado volta a intervir nas atividades econômicas por meio da criação de empresas estatais e da crescente participação na oferta e no direcionamento do crédito. Há uma forte evidência de déjà vu na administração da política econômica. Diferentemente dos tempos de Itamar, FHC e Lula, a transição se faz sem a transparência e sem as práticas de gestão que poderiam fortalecer a credibilidade e estimular os investimentos. Temo sobre o final dessa mudança: inflação em alta e crescimento lento. Estará, então, a transição "encurralada"?
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