Na última década, melhorias nos indicadores sociais conviveram com um rebaixamento das instituições democráticas nunca antes visto neste país
O Partido dos Trabalhadores (PT) chegou ao poder há dez anos. Elegeu Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 e o reelegeu em 2006. Em 2010, a sigla garantiu pelo menos mais quatro anos na Presidência ao eleger Dilma Rousseff. Dizia-se então que, se Lula tivesse lançado um poste para sucedê-lo, o povo teria preferido o poste no lugar de quem quer que fosse o adversário, tais o prestígio e o alto índice de aprovação popular que alcançara nos seus oito anos no Palácio do Planalto.
Se tanto sucesso político fosse fruto tão somente do suposto elevado nível de acertos do partido na condução do país, nada a contrapor. De fato, não há como deixar de reconhecer a existência de inúmeros fatores que pesaram fortemente para favorecer o ânimo com que o eleitorado foi às urnas para manter o PT no poder. Dentre tais fatores, sem dúvida, um dos principais – se não o principal – é o Bolsa Família, programa de distribuição de renda que tirou milhões de brasileiros da miséria e da fome.
Outro foi a fidelidade com que Lula manteve os fundamentos econômicos lançados por seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, que estabilizou a moeda. A partir de 1993, com a criação do Plano Real, a eliminação da inflação e a abertura da economia à participação privada deram ao país os dois principais sustentáculos para o crescimento experimentado na era Lula, berço do surgimento da chamada nova classe média e da inclusão de 30 milhões de brasileiros na sociedade de consumo.
Entretanto, em meio a tais indubitáveis virtudes – no fundo, herdadas da política fundada pelo antecessor –, o PT sobrevive no comando quase hegemônico do país graças também a práticas nada recomendáveis. Aliás, tais práticas, de tão condenadas e combatidas pelo petismo histórico em seus primórdios, transformaram o partido em arauto da moralidade e da ética e o levaram a conquistar a confiança popular e a alcançar a Presidência pela primeira vez há dez anos.
Foram, porém, tais bandeiras as mais conspurcadas pelo PT quando se viu detentor do mando político e administrativo do país. O saldo é perverso: foi sob seu governo que o país assistiu ao escândalo do mensalão; e, de escândalo em escândalo, chegamos agora ao ápice com a descoberta de que uma simples secretária, amiga íntima de Lula, era capaz de influir sobre os destinos da república e de traficar seu poder para favorecer atos explícitos da mais deslavada corrupção.
Alianças políticas as mais heterodoxas (como as que uniram o PT a alguns símbolos do passado que combateu, como Paulo Maluf e José Sarney) alicerçam também o poder quase imperial que o partido hoje exerce. O oportunismo, o fisiologismo e todas as demais conveniências de ocasião – dentre as quais estas que levarão ao comando do Congresso as figuras rotas de Renan Calheiros e Henrique Alves – constituem o modus operandi do PT para realizar seu projeto de perpetuação, nem que, para tal, seja preciso aniquilar a oposição, como hoje ocorre.
Do ponto de vista administrativo, o que vimos nestes dez anos de petismo foi um país que, aos olhos do mundo, parecia destinado a ser um paradigma de transformação social e econômica. Internamente, porém, a percepção é outra – a de um país que não soube aproveitar a oportunidade de investir no próprio futuro. Nesse sentido, vimos cada vez mais claramente quão pífias foram as ações visando dotar o Brasil de uma infraestrutura logística capaz de torná-lo competitivo e, ao mesmo tempo, de tornar sustentáveis o desenvolvimento e a justiça social. Justiça social que não se faz apenas com garantia de renda mínima aos mais pobres, mas sobretudo com a criação de oportunidades para que seus beneficiários libertem-se, pela educação e pelo trabalho, da indigna dependência.
Enfim, ao PT cabe, neste momento em que se lembra de seu décimo aniversário no poder e dos seus 32 anos de fundação como partido, rever seus métodos, repensar seu destino e colocar-se realmente a serviço dos ideais éticos que pregou e, ao mesmo tempo, modernizar sua visão de mundo, desfazendo-se completamente dos preconceitos ideológicos ainda tão identificados com o atraso e com o autoritarismo.
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