O Brasil, até onde se tem notícia, mantém um embaixador acreditado junto a Havana. As relações com a Venezuela também estão normais. A pergunta, portanto, é: qual a explicação para a presença em Cuba do assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia - que, segundo o próprio, viajou no dia 31 de dezembro, por ordem da presidente Dilma Rousseff, para buscar informações precisas sobre a saúde do presidente da Venezuela, Hugo Chávez?
Para concluir, conforme informou Garcia, "que o estado de saúde é grave e qualquer previsão é impossível de ser feita", não precisava emissário especial.
Bastava pedir que um dos embaixadores levantasse a informação que, por sinal, é a mesma que se encontra no noticiário.
Internado em Havana, onde foi operado de um câncer, Chávez deveria assumir amanhã o seu terceiro mandato à frente do governo da Venezuela.
Se ele não comparecer à solenidade, novas eleições devem ser convocadas em 30 dias.
Mesmo diante da gravidade do quadro, os partidários de Chávez e os políticos que o apoiam na América Latina querem dar a ele mais tempo para se recuperar ou, se isso não for possível, encontrar uma maneira de empossar o vice, Nicolás Maduro, sem a necessidade de uma nova disputa eleitoral.
E tentam justificar o golpe com um argumento para lá de singelo: como Chávez já tomou posse antes, não precisa cumprir todo o ritual agora.
Trata-se, para dizer o mínimo, de uma interpretação absolutamente heterodoxa das leis e do princípio da alternância de poder. Mesmo assim, Garcia diz que o Brasil apoia a ideia de dar ao chefe venezuelano mais 180 dias para melhorar.
É uma posição lamentável - dessas que envergonham o país que a defende. A solução que a Venezuela dará à sucessão presidencial, caso Chávez não resista à gravidade da doença, é um problema da própria Venezuela.
O Brasil e os demais integrantes do Mercosul não têm motivos para se meter nas questões internas do país vizinho.
Ocorre, porém, que o dever de coerência os obriga a se posicionar contra a manobra e a cobrar respeito a uma Constituição que, como se sabe, foi escrita para atender à conveniência do próprio Chávez.
Se as eleições não forem convocadas, eles se verão, no mínimo, obrigados a suspender a Venezuela como membro pleno do Mercosul.
Foi exatamente o que fizeram quando o Congresso do Paraguai votou o impeachment do então presidente Fernando Lugo.
Os simpatizantes de Chávez poderão dizer que uma situação nada tem a ver com a outra, e não tem mesmo.
O impeachment de Lugo obedeceu a um rito que, por estranho que seja, está previsto na Constituição local - enquanto a prorrogação do prazo para a posse de um presidente que se encontra no exterior representa, em qualquer lugar do mundo, vacância do poder.
E vacância do poder, como se sabe, se resolve com a convocação de novas eleições.
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