FOLHA DE SP - 26/12
Cheguei ao meu destino duas horas e meia antes de partir e até hoje não consigo pensar em outra coisa
Dez dias atrás aconteceu a coisa mais incrível da minha vida. Não, não me refiro ao bicampeonato mundial do Sport Club Corinthians Paulista -um fato esplêndido, decerto, mas que de incrível não tem nada; a vitória era óbvia e evidente como a lua brilhar no negrume da noite ou o sol raiar ao fim da madrugada.
O absurdo se deu na volta do Japão para Chicago, onde, a caminho do Brasil, parei para visitar uns amigos. Eis que peguei um avião em Tóquio às nove horas da manhã de segunda-feira e aterrissei nos Estados Unidos às seis e meia da manhã de... segunda-feira. Sim, meus caros: cheguei ao meu destino duas horas e meia antes de partir e até hoje não consigo pensar em outra coisa.
Ok, eu sei que há uma explicação racional para minha pequena viagem no tempo: calhou de eu e o planeta estarmos indo pro mesmo lado e de eu voar mais depressa, de modo que cheguei ao mundo um pouquinho antes dele próprio. Mas entender racionalmente um fenômeno não diminui o seu mistério - e aí estão o amor, a morte e a batata frita sabor pizza para provarem o que eu digo.
Cruzar um oceano e pousar noutro continente antes de ter partido é tão estranho que nem meu celular, uma máquina que dispõe de mais capacidade de processamento do que todo o programa Apolo, conseguiu entender. Quando liguei o telefone em Chicago ele me informou, em sua tela luminosa e obscura, claramente atordoado com os dados ilógicos que sua lógica impecável o obrigava a exibir: "20:30 PM, Yesterday". Não sei de onde o smart(sic)phone tirou o "20:30 PM", mas o "Yesterday" estava corretíssimo, uma vez que em Tóquio um dia havia se passado, mas eu, furando o tempo como quem fura uma onda, não havia passado com ele.
Impressionante que não tenhamos, até hoje, aproveitado as inúmeras possibilidades que esse truque metaf"ú"sico abre para a humanidade. Por exemplo: eternizar o presente. Por exemplo: não envelhecer. Por exemplo: não morrer. Vamos convencer já nossos 7 bilhões de semelhantes a engajarem-se numa marcha global para a direita, e, orientando os pilotos a irem um pouco mais devagar do que o meu, ficaremos parados num hoje eterno. Sugiro partirmos num sábado à noite: a vida será um sábado que nunca verá a aproximação opressiva de domingo, não sentirá o hálito azedo da segunda.
O leitor acha perda de tempo congelar a história entre cervejas e pistas de dança? Ok. Que pegue o Boeing dos CDFs numa segunda de manhã e na segunda permanecerá, até o fim de seus dias -diria eu, se os dias tivessem fim nesta jornada atemporal. E quando quisermos descansar, seja da balada ou da labuta, é só descer num aeroporto, dormir algumas noites e tomar um avião domingo à tarde, para no domingo ficar, de pantufas, ad infinitum.
O lema da humanidade, de Genghis Khan a Cabral, dos Bandeirantes aos colonos norte-americanos, foi "Go west!". É chegada a hora de inverter este vetor. "Go east, young man! Go east!" é o bordão do futuro. Ou melhor, do presente, pois futuro é coisa do passado, da época em que o sol raiava ao fim da madrugada, iluminando-nos rumo ao inexorável crepúsculo de nossos dias. Inexorável? Não mais. Compremos os tickets e sejamos felizes para sempre.
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