quarta-feira, dezembro 26, 2012

Concessão e arquitetura de aeroportos - FERNANDO SERAPIÃO

FOLHA DE SP - 26/12


Em Guarulhos, o edital ignorou que já havia um ótimo projeto de ampliação. Ele custou caro, mas será jogado fora e trocado por um que parece rodoviária


Os problemas na concessão dos aeroportos brasileiros foram reconhecidos até mesmo por integrantes do governo. Mas pouco se tem falado na arquitetura dos terminais -e no consequente conforto.

Ainda no governo Lula, a Infraero começou a projetar novos terminais, sempre seguindo as burocráticas e lentas licitações.

Em Guarulhos, a licitação de projeto foi vencida em 2009 por um consórcio de várias empresas projetistas -estrutura, hidráulica, elétrica etc. Eles contavam com os arquitetos da Biselli+Katchborian, um dos poucos escritórios brasileiros habilitados a desenhar aeroportos.

A empresa, liderada por dois sócios na casa dos 50 anos de idade, é uma das mais prestigiadas do país. Já tinha ganho, em 2006, a disputa pelo desenho do terminal de Florianópolis (ainda não construído). Por isso, a vitória na licitação em Guarulhos foi recebida positivamente no meio arquitetônico, que percebeu a oportunidade de construir um terminal interessante.

Após dois anos de labor, o desenho foi apresentado publicamente, sem decepção: em forma de avião, o desenho do terminal 3 não só era original por sua cobertura tecnológica, semelhante aos encontrados em projetos high-tech, como reverberava o modernismo brasileiro.

Ciente da urgência, o grosso da área construída utilizava elementos pré-moldados, deixando a sofisticação para a porção visível. A presidente Dilma se entusiasmou, e o terminal foi detalhado e entregue para a licitação da obra.

Mas eis que a Anac, ao preparar o edital para a concessão, simplesmente desconsiderou o projeto coordenado pela Infraero.

O edital transferiu para o consórcio vencedor, Invepar, a decisão de construir ou não o terminal projetado pela Infraero.

Mais que isso, incentivou o sepultamento do desenho ao diminuir o padrão de conforto da nova construção (do nível máximo, AAA, para C, dentro da nomenclatura de padrão de conforto de aeroportos internacionais). Em outras palavras, a Anac permitiu que a operadora entregasse aos brasileiros um terminal menos confortável.

Sem clareza, a concessionária apresentou algumas imagens do seu projeto, suficientes para atestar a baixa qualidade arquitetônica do desenho importado: quase uma rodoviária que, se construída, perpetuará o desespero e a trapalhada governamental contra o caos aéreo.

É importante lembrar o desperdício: o governo está jogando no lixo um projeto de R$ 22 milhões, pronto para ser construído. A baixa gerencia alegará que o governo arrecadou R$ 16,21 bilhões com a licitação e que, nessa escala, o que foi para o lixo não é nada. Mas como justificar aos eleitores?

A arquitetura deveria ser um item estratégico para o país. Veja a Alemanha: eles aproveitaram a Copa do Mundo em seu país para especializar algumas firmas de projeto em estádios. Resultado? Nos mundiais seguintes, emplacaram 30% dos projetos na África e 41% no Brasil. Além dos honorários, o pacote conta com especificações de produtos alemães, das caríssimas coberturas de lona até cadeiras.

No que se refere aos aeroportos internacionais, a arquitetura como estratégia de Estado tem outro sentido: os terminais são as portas de entradas dos países. O filósofo francês Paul Virilio acredita que eles representam hoje os antigos portais das muralhas das cidades-estados. Se a civilização trocou grossos muros de pedras por edifícios cristalinos, continua o simbolismo da entrada.

Entre dezenas de exemplos, em Londres a precisão inglesa é vista em todos os detalhes, até nos parafusos; em Paris, a graça francesa esta presente nos arcos de concreto da cobertura, caprichosamente abauladas para baixo; e a luz filtrada por pequenas aberturas na Cidade do México lembram-nos da delicadeza e da aspereza mexicana.

No fundo, é fácil impressionar com um prédio mágico quem passou horas dentro de um avião. Além de ser mais factível do que resolver as mazelas do país, perpetuar edifícios simbólicos também eleva a estima nacional. Que o digam Juscelino Kubitschek e Oscar Niemeyer.

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