quinta-feira, dezembro 06, 2012

É o salário, estúpido - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 06/12


Relatório da Unctad dá razão ao Brasil, que só tem feito crescer o emprego


AO AUMENTAR ainda mais a já drástica política de austeridade, o governo britânico se alinha à corrente predominante na Europa, mas desafia o sentido comum, contido em relatório da Unctad, braço da ONU para comércio e desenvolvimento.

O texto diz que "criação de emprego é incompatível com aperto fiscal".

É uma obviedade, eu sei, mas torna-se obrigatório usá-la ante a obsessão dos países desenvolvidos, exceto EUA, em apertar os cintos com uma volúpia inacreditável.

O resultado dessa obsessão aparece nitidamente no relatório da Unctad: "Os salários nos países desenvolvidos caíram a seu nível mais baixo em seis décadas, e o desemprego (9%) disparou para um novo recorde pós-Segunda Guerra".

Corolário inescapável: "As famílias trabalhadoras são os mais importantes consumidores, mas, sob essa pressão, não podem consumir o suficiente para respaldar a recuperação da economia".

O texto ataca outra faceta muito presente nas políticas de ajuste: "Tentativas de melhorar a competitividade com corte de salários em relação à produtividade só podem terminar em empobrecimento geral". É a "race to the bottom", corrida para o fundo (do poço no caso).

O relatório é todo ele uma defesa dos salários e, por extensão, de seu pai, o emprego. A Unctad cita outra organização da ONU, a Unicef, que revisitou os relatórios do FMI sobre a economia de um mundão de países. Descobriu que 73 países desenvolvidos e em desenvolvimento estão planejando ou já adotando cortes de salários ou imposição de tetos, no período 2010/12.

Além disso, "esperam-se cortes do gasto público em 133 países, o que pode ter efeito adicional direto e indireto sobre emprego e salários".

A Unctad adverte ainda contra o mantra de "mercados trabalhistas flexíveis", um eufemismo para cortar benefícios sociais. Em vez dessa tática, a organização sugere "adotar políticas de renda ativas".

É justo dizer que o Brasil é um bom exemplo de como são de sentido comum as advertências e sugestões da Unctad: a partir do governo Itamar Franco, já faz 20 anos, a massa salarial (o total de salários pagos no país, para os setores público e privado) só subiu. Houve um ou outro vale, nos anos Fernando Henrique Cardoso e no início da gestão Lula, mas, a partir de 2004, embicou fortemente para cima.

Para ficar só nos dados mais recentes, entre julho e outubro de 2012 a massa salarial nas regiões metropolitanas subiu quase 5% acima da inflação, devido ao aumento da renda real e à criação de empregos.

Posto de outra forma: o Brasil vive uma situação exatamente oposta à da maioria do mundo rico, que tem recorde de desemprego e recorde de queda de salários. Parece óbvio que essa situação explica o crescimento de razoável para bom ocorrido nos anos FHC e, mais ainda, Lula. Assim como o ainda baixo nível salarial ajuda a explicar a desaceleração do primeiro biênio Dilma.

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