sexta-feira, novembro 23, 2012
O isolamento de Cristina - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 23/11
Com sua popularidade impiedosamente corroída pela incapacidade de seu governo de enfrentar problemas que atormentam cada vez mais os argentinos, como a inflação, o desemprego e a estagnação da economia, a presidente Cristina Kirchner conseguiu a proeza de unir seus inimigos, alguns dos quais eram ferozes adversários entre si. Isso ficou claro na greve geral que paralisou Buenos Aires e outras importantes cidades argentinas na terça-feira. Contra Cristina e sua política, dirigentes sindicais que, há pouco, não hesitavam em recorrer à violência para defender o governo e atacar a oposição, juntaram forças com opositores conhecidos, entre os quais representantes do setor rural.
O descontentamento é, porém, bem mais amplo. Menos de duas semanas antes da greve geral, e sem a intervenção de qualquer partido político ou organização sindical, cerca de 2 milhões de argentinos ocuparam as praças das principais cidades do país para um panelaço no qual demonstraram seu desagrado com as políticas do governo Kirchner, cada vez mais isolado.
Em um ano, Cristina perdeu metade de seus apoiadores. Eleita em outubro de 2011 com 54% dos votos, tem agora o apoio de apenas 28% dos argentinos. O mau desempenho da economia é o fator que mais tem empurrado os argentinos para a oposição. O desemprego está em 7,6%, o índice mais alto dos últimos dois anos. O ritmo de atividade da economia se reduziu, o que alimenta o pessimismo da população e faz crescer os temores com relação ao futuro.
Por meio de manipulações de índices e de aplicação de punições truculentas contra os que mostram a extensão dessas manipulações - a pena inclui multas pesadas e a obrigatoriedade de utilização da metodologia distorcida de aferição dos preços empregada pelo governo -, o governo vem tentando esconder a alta da inflação. Mas a população sente no bolso aquilo que os índices oficiais dizem que não existe. A inflação oficial está em torno de 10% ao ano, mas instituições privadas calculam que ela esteja entre 25% e 30% ao ano.
A deterioração da situação econômica, combinada com a decisão da presidente Cristina Kirchner de afastar antigos aliados para fortalecer seu grupo pessoal, estimulou a organização da primeira greve geral na Argentina desde 2003, quando Néstor Kirchner chegou à presidência. Além de Buenos Aires, a greve afetou a vida da população em cidades como Córdoba, Mendoza, Santa Fé, Salta, La Plata e Tucumán. Na capital, os sindicalistas paralisaram a maior parte do sistema de transportes. Piquetes organizados sobretudo por caminhoneiros bloquearam a maioria dos acessos a Buenos Aires.
A greve geral foi liderada por algumas alas da Confederação Geral do Trabalho (CGT), que por mais de 60 anos foi o principal braço sindical do peronismo ao qual pertence a presidente Kirchner, mas que ela conseguiu dividir, empurrando parte do movimento sindical para a oposição. Também participaram da organização a Central dos Trabalhadores Argentinos (CTA) e, numa inédita união de forças com o sindicalismo, a Federação Agrária, uma das quatro associações ruralistas que organizaram o locaute contra Cristina em 2008.
Entre seus principais líderes está o secretário-geral da CGT (ou de uma das CGTs, pois outros sindicalistas se apresentam com o mesmo cargo), Hugo Moyano, que até o fim do ano passado liderava uma espécie de milícia kirchnerista. Foi o sindicato dos caminhoneiros, controlado por Moyano, que, há cerca de três anos, bloqueou a distribuição dos jornais Clarín e La Nación, que fazem oposição ao governo.
Mas Moyano vinha sendo afastado das principais decisões do governo em sua área. Há alguns meses, na eleição da nova diretoria da CGT, Cristina apoiou Antonio Caló para a secretaria-geral, contra Moyano, que venceu. Vendo o governo cada vez mais enfraquecido, como mostrou o panelaço de 8 de novembro, Moyano viu no confronto, por meio da greve geral, um meio para fortalecer seu projeto político. Nesse caso, não há inocentes.
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