quinta-feira, novembro 22, 2012
A segurança e a força - DEMÉTRIO MAGNOLI
O ESTADÃO - 22/11
"Em todos os tempos os reis, e as pessoas dotadas de autoridade soberana, por causa de sua independência, vivem em constante rivalidade, e na situação e atitude dos gladiadores, com as armas assestadas, cada um de olhos fixos no outro." O intercâmbio assimétrico de projéteis entre Israel e o Hamas evidencia que a definição clássica das relações internacionais, exposta por Thomas Hobbes em 1651, não perdeu sua validade. A insegurança é o motor das operações militares israelenses na Faixa de Gaza. O Estado judeu, contudo, esqueceu-se há mais de uma década daquilo que, antes, sabia: a maximização do uso da força não conduz, necessariamente, à maximização da segurança.
Israel é filho dos pogroms, dos campos de extermínio, de Auschwitz. Desde o início, o Estado judeu confiou na força: a "nação em armas" da guerra de 1948 construiu as Forças Armadas letais da guerra de 1967 e, em seguida, um poderoso dispositivo de dissuasão nuclear. Entretanto, os dirigentes israelenses não perderam de vista o objetivo principal de inserir seu Estado na ordem regional. A cooperação estratégica com a Turquia, os tratados de paz com o Egito e a Jordânia, concluídos à custa de uma concessão territorial, e os Acordos de Oslo, de 1993, representaram a busca da segurança por meio da política. Isso, porém, ficou no passado. Desde a falência do processo de paz, intoxicados pela eficácia aparente das ações militares, os israelenses debilitam as fundações de segurança de seu próprio Estado.
O "assassinato seletivo" de Ahmed Jabari, o chefe militar do Hamas, evento deflagrador da crise em curso, reflete a incapacidade israelense de diagnosticar o fracasso de sua estratégia de desengajamento unilateral, que tomou o lugar da busca pela paz, e de eliminação do Hamas do tabuleiro diplomático. O cenário atual no Oriente Médio não se parece com o de 2008, quando Israel promoveu uma massiva operação de invasão de Gaza, mas não alcançou o objetivo de destruir politicamente o Hamas. Sob intensa pressão da opinião pública doméstica, a Turquia considera a hipótese extrema de ruptura de relações com o Estado judeu. Uma exibição exagerada de força no território palestino poderia desestabilizar a monarquia jordaniana, já abalada pelas ondas de choque da Primavera Árabe, e dissolver o tecido esgarçado do tratado de paz com o Egito.
"Israel testa o pulso de nossa nação, testa o Egito, testa os árabes e os muçulmanos" para saber "se é capaz de ditar ordens, como no passado, ou se os líderes de hoje têm uma visão diferente". Na frase de Khaled Mashaal, o líder do Hamas, a palavra crucial é Egito. O Hamas nasceu de uma costela da Irmandade Muçulmana egípcia, mas alinhou-se à Síria e ao Irã. No início do ano, sob o impacto da sublevação na Síria, Mashaal transferiu-se de Damasco para o Cairo. O gesto representou um brusco realinhamento do partido islâmico palestino na direção do novo Egito, governado pela Irmandade Muçulmana. No segundo dia de bombardeios israelenses, o primeiro-ministro egípcio visitou Gaza, enquanto o presidente Mohamed Morsi tentava articular um cessar-fogo. Afrontar o Egito e a Turquia, aliados regionais dos EUA, é algo bastante diferente de confrontar iranianos e sírios. À primeira vista, Israel agiu sem examinar o dia seguinte à operação militar. Contudo as coisas são menos simples do que parecem.
Na hora do "assassinato seletivo" de Jabari, o ministro do Exterior israelense, Avigdor Lieberman, acenou com a hipótese de "derrubar" o governo da Autoridade Palestina na Cisjordânia caso Mahmoud Abbas obtenha na ONU o estatuto de Estado observador. Lieberman é um extremista, mesmo para os padrões do atual Gabinete de Israel, mas sua ameaça sinaliza uma inflexão estrutural do Estado judeu. O "desengajamento unilateral" de Gaza, promovido por Ariel Sharon em 2005, veiculava a ideia de que a paz poderia ser imposta por Israel, prescindindo de interlocutores e negociações. De lá para cá os israelenses radicalizaram ainda mais o pressuposto de Sharon, tratando de desmoralizar a liderança moderada de Abbas. Mashaal venceu: como produto das opções do Estado judeu, o Hamas converte-se no eixo principal da política palestina.
O carro em que se deslocava Jabari foi transformado numa bola de fogo dias depois da conclusão de uma trégua informal entre o Hamas e Israel, mediada pelo Egito e negociada pelo próprio Jabari. Três semanas antes, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, anunciara a fusão do grupo parlamentar de seu partido, o Likud, com o do Yisrael Beytenu, o partido ultranacionalista de Lieberman, que apresentarão uma lista única de candidatos às eleições de janeiro. "Não mais lascas de partidos, caprichos que se coligam para um único mandato e depois se dissipam. Oferecemos uma verdadeira alternativa e uma oportunidade para os cidadão estabilizarem a liderança e o governo", explicou Lieberman, no tom celebratório de quem obteve um triunfo histórico.
De seu ponto de vista, o ministro do Exterior tem razão. A fusão da direita tradicional com a direita ultranacionalista representa, na prática, a ruptura do Likud com a visão de uma paz negociada e baseada em dois Estados. O projeto da nova direita unificada é traçar, unilateralmente, as fronteiras definitivas em Israel/Palestina e promover intercâmbios compulsórios de populações destinados a conferir "homogeneidade étnica" ao Estado judeu. A eliminação de Jabari, no momento em que se realizou, constituiu o passo inicial na estratégia comum de Netanyahu e Lieberman.
A utopia regressiva da "paz pela força" tem como pressuposto a negação da existência de interlocutores políticos, tanto entre os palestinos como no entorno árabe mais amplo. O isolamento regional de Israel e a maximização da insegurança em Israel/Palestina são os meios coerentemente selecionados para esse fim.
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