FOLHA DE Sp - 02/10
Encontro, realizado no Peru, reúne dois mundos que ignoram como cada um deles funciona
LIMA - O Brasil entrou ontem para a 3ª Cúpula Aspa (América do Sul/Países Árabes) com a expectativa de que a tão falada Primavera Árabe gere de fato muitas flores.
"No futuro que se anuncia para o mundo árabe, as possibilidades de cooperação aumentarão", disse o chanceler Antonio Patriota em seu discurso na reunião de chanceleres, que precede o encontro dos governantes, a realizar-se hoje.
É óbvio que o futuro antevisto pelo chanceler é a floração democrática, que, de resto, marca a cúpula de Lima: estava prevista para fevereiro de 2011, justamente quando estouraram as revoltas que se concluiriam com a queda de ditaduras.
Ou seja, o passado árabe são os Mubaraks e Gaddafis. O futuro é uma história que está começando a ser escrita. Seus primeiros capítulos serão seguramente apresentados hoje quando os líderes se reunirem.
"A grande missão da Cúpula Aspa é fazer a reavaliação da Primavera Árabe", diz o embaixador Cesário Melantônio, enviado especial para o Oriente Médio, com a autoridade de quem foi testemunha ocular da revolta no Egito, como embaixador no Cairo.
É natural que seja assim, na medida em que as cúpulas Aspa são no fundo um ponto de encontro entre dois grandes blocos que ignoram amplamente como é o outro lado, como constatou Melantônio.
A ideia do Brasil, ao lançar o projeto, em 2005, era a de buscar compreensão mútua que, uma vez obtida, alicerçaria a cooperação econômica, no fundo o ponto de chegada mais suculento.
Patriota, em seu discurso, jogou números grandiosos sobre o conglomerado Aspa: 750 milhões de habitantes, US$ 5,4 trilhões de PIB conjunto.
Mas são números ilusórios. Não há convergência entre as políticas. Aliás, nem mesmo no lado sul-americano dá para dizer que as políticas econômicas são coincidentes.
As divergências, dentro de cada bloco, são nítidas no caso do país árabe, a Síria, em que o futuro está em estado de suspensão.
Venezuela e seus sócios bolivarianos vetam qualquer condenação, mesmo retórica, à ditadura Bashar Assad, no que são acompanhados, do lado árabe, por Argélia e Iraque, ao passo que Egito, Arábia Saudita e Qatar querem ver o ditador fora do poder.
Consequência inescapável: a declaração final da cúpula apenas reproduzirá obviedades sobre o drama sírio, embora afirme que, no caso das violações aos direitos humanos, a "responsabilidade primária" é do Estado sírio. Dá para ser lido como uma crítica ao governo Assad ou apenas como uma platitude: todo governo é responsável por evitar violações aos direitos humanos e mais ainda por não praticá-las.
Em todo o caso, há um ponto que unifica os 12 sul-americanos e os 21 árabes (a Síria não foi convidada, por estar suspensa pela Liga Árabe): a defesa do Estado palestino.
Tanto é assim que o comunicado final conterá o agradecimento palestino ao apoio sul-americano à pretensão de que a Palestina seja membro pleno da ONU.
Se a pretensão se concretizar, o futuro do mundo árabe abrirá ainda mais perspectivas para a cooperação.
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