A cúpula do Rural não foi só imprudente, disse Barbosa; 'Desponta' o fato de os empréstimos serem fictícios
PARA JOAQUIM Barbosa, relator no julgamento do mensalão, o Banco Rural fez misérias nos empréstimos que concedeu ao PT e às empresas de Marcos Valério.
Dava dinheiro mesmo quando estava clara a incapacidade dos devedores em pagar seus compromissos. A cada calote, renovava os empréstimos. Desse modo, um empréstimo no valor de R$ 19 milhões (feito à SMPB Propaganda) elevou-se a um total de R$ 37 milhões.
Essas renovações sucessivas de crédito, feitas a cada 90 dias, eram aprovadas pela diretoria do Banco Rural mesmo depois de pareceres contrários da área técnica.
Um dos funcionários chegou a dizer, na sua análise, que continuar emprestando a Marcos Valério era uma operação que trazia o chamado "risco-banqueiro".
Ou seja, só mesmo o dono do banco para assumir compromissos tão arriscados.
Joaquim Barbosa citou inúmeras advertências, não só do próprio Rural, mas também do Banco Central, que foram ignoradas por José Roberto Salgado, Vinicius Samarane, Ayanna Tenório e Kátia Rabello.
A cúpula do Banco Rural não foi apenas imprudente, disse Barbosa. "Desponta, cristalino", o fato de que os empréstimos eram fictícios.
Apesar de muita insistência e desencontros, por exemplo, os peritos do BC recebiam documentos incompletos do Banco Rural. Pior: microfichas de todo o segundo semestre de 2005 foram "extraviadas".
Enquanto isso, verificava-se que milhares de notas fiscais falsas eram exibidas pelas empresas de Marcos Valério. As quais corrigiram substancialmente sua contabilidade, fora das normas, depois de eclodir o escândalo.
A quantidade de laudos e números apresentada por Joaquim Barbosa consumiu umas cinco ou seis horas de leitura.
O voto esmagou pelo cansaço; talvez fosse o caso de os advogados dizerem que só ouvir o seu voto já constitui punição suficiente.
Barbosa contestou algumas alegações da defesa. Em primeiro lugar, a de que peritos comprovaram a veracidade formal da documentação do Banco Rural.
Sim, disse o relator: desconfiando que todos os dados eram falsificados, ativeram-se apenas a dizer que as operações eram "formalmente" verdadeiras.
Outro argumento da defesa foi o de que se inculparam indiscriminadamente quatro réus, sem identificar suas responsabilidades individuais.
Mas o delito de gestão fraudulenta é necessariamente cometido em equipe, respondeu Barbosa. E não fazia sentido, em seu raciocínio, inocentar Kátia Rabello com base na ideia de que ela não entendia da área técnica do banco. Se não entendia, mais um motivo para seguir as recomendações dos analistas -em vez de desobedecê-las.
Sempre se pode dizer que, na verdade, quem não liga para a área técnica preocupa-se ainda menos com as recomendações dos analistas... Mas, como diz o jargão da área, é nisso que entra o chamado "risco-banqueiro".
No papel de revisor, Ricardo Lewandowski não se arriscou, por assim dizer, a divergir da condenação.
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