quinta-feira, setembro 06, 2012
A Amazônia não deve pagar - FERNANDO REINACH
O ESTADÃO - 06/09
Quando destruímos a floresta, seus habitantes não se extinguem de imediato. É o caso do mico-leão-dourado, um simpático macaquinho. Nos últimos séculos destruímos grande parte da Mata Atlântica, o único hábitat do mico-leão. Sua população foi diminuindo e chegou a 150 indivíduos. Com os esforços de preservação, hoje existem aproximadamente mil animais, metade em cativeiro. O mico-leão ainda não está extinto, mas é pouco provável que ele escape da extinção na natureza. O que restou de seu hábitat natural e a pouca diversidade genética dos animais que sobreviveram são insuficientes para manter a espécie viável.
O caso do mico-leão-dourado é um exemplo do que os ecologistas chamam de "dívida de extinção". Essa dívida é composta por todas as espécies cujo hábitat já foi destruído o suficiente para inviabilizar a manutenção da espécie - mas, teimosa, a espécie ainda não se extinguiu.
A dívida da biodiversidade existente é definida como o conjunto de espécies que já se tornaram inviáveis, mas ainda não se extinguiram. O interesse dos cientistas é calcular o tamanho dessa dívida, como ela evolui com o tempo e o prazo em que ela será cobrada (quando espécies condenadas vão desaparecer). O triste é que o conjunto de espécies que fazem parte da dívida é muito maior que o número de espécies que já se extinguiram desde o início do século 20, quando o homem realmente começou a devastar o planeta em larga escala.
O caso da Amazônia brasileira é um bom exemplo. Apesar de todo o desmatamento que vem ocorrendo nos últimos séculos, um número pequeno de espécies se extinguiu completamente (este é um dos argumentos ridículos usados pelos defensores do desmate). Mas todos os cientistas concordam que a "dívida de extinção" já é muito grande.
Agora, um grupo de cientistas estimou essa dívida para a região da Amazônia brasileira. Mas o mais interessante é que eles também calcularam quando dessa dívida a Amazônia vai ter de pagar de qualquer jeito (as espécies vão inevitavelmente desaparecer), quanto a dívida aumenta ou diminui dependendo do ritmo de desmatamento nos próximos anos e, finalmente, quanto dessa dívida podemos deixar de pagar se reduzirmos o desmatamento.
A maneira de calcular o déficit se baseia no fato de que cada espécie necessita de uma área mínima de floresta contínua para sobreviver (duas áreas descontínuas não substituem uma área contínua do mesmo tamanho). Essa área pode ser pequena ou grande, dependendo da espécie (é maior para a onça-pintada que para um macaco). Com base nos dados levantados nos últimos anos sobre a necessidade de cada vertebrado (não foram incluídos insetos, plantas, fungos ou outras formas de vida) e com os mapas de satélite que mostram o progresso do desmatamento, foi possível calcular nossa "dívida de extinção" atual.
Os resultados mostram que 1% das espécies de vertebrados da Amazônia provavelmente já está extinto, mas esse número é pequeno quando comparado aos fadados à extinção por causa do desmatamento que já ocorreu no sul e no leste da Amazônia nos últimos 30 anos. Aproximadamente 80% de todas as extinções causadas pelo desmatamento passado ainda estão por ocorrer. Estão condenados 30% do total de anfíbios (8 espécies), 25% dos mamíferos (10 espécies) e 14% das aves (20 espécies).
Essa é a parte da dívida que nós, donos da Amazônia, vamos ter de pagar de qualquer jeito. Mas qual será essa dívida em 2050? Se a taxa de derrubada for semelhante ao histórico de longo prazo (28 mil km²/ano; se você vive na cidade, isso corresponde ao equivalente a 2,8 milhões de quarteirões por ano!), mais 15 espécies de mamíferos, 10 de anfíbios e 30 de aves serão acrescentadas à dívida. Mas se as taxas atuais (6,5 mil km²/ano) e a diminuição recente do desmatamento puderem ser mantidas, os cientistas estimam que a dívida poderá ser mantida nos níveis atuais. Perderemos somente as espécies que já estão condenadas à extinção.
Outra possibilidade. Mas existe outra possibilidade, a junção dos atuais blocos de floresta preservados por meio de corredores que seriam criados simplesmente deixando a mata regenerar em áreas que permitissem a criação de grandes blocos contínuos preservados. Isso é possível, porque hoje 54% da Amazônia estão em áreas protegidas de algum modo. Preservar e interligar essas áreas é uma possibilidade real e a única maneira de renegociar nossa dívida de extinção.
Deixo aqui uma proposta polêmica: que tal legalizar o desmatamento de algumas áreas da Amazônia em troca da transferência de áreas já desmatadas, que seriam regeneradas de modo a formar grandes ligações entre as atuais áreas protegidas? Neste caso, e somente neste, as áreas desmatadas têm mais valor que a mata em pé (favor responder com argumentos e não com pedras).
Segundo os modelos criados por esses cientistas, essa seria a única maneira de darmos o calote na dívida que já acumulamos. Mas isso tem de ocorrer nos próximos anos, pois Dona Extinção, parceira de Dona Morte, está com a conta na mão, cobrando uma dívida que deveríamos nos recusar a pagar.
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