segunda-feira, agosto 06, 2012

Um bye-bye para o Mercosul? - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA


A entrada da Venezuela no Mercosul, agora oficializada, poderá ser o prego que faltava nesse caixão. Em circunstâncias normais, o alargamento seria positivo para o bloco, pois reforçaria a integração regional, promovendo o comércio e o desenvolvimento nos países- membros. Acontece que neste momento a presença da Venezuela poderá agravar os problemas do Mercosul. que já sofre os efeitos negativos da frequente violação de suas regras, do ressurgimento da cultura protecionista e da volta da instabilidade macroeconômica. A Argentina, o caso mais extremo, tem padecido também de um intervencionismo estatal exacerbado, que se agrava com a manipulação de índices de preços e a perda de autonomia do banco central. Além disso, ficará mais difícil celebrar acordos bilaterais de comércio, que exigem aprovação unânime. O único acordo em vigor, o assinado com Israel, poderá ser prejudicado, pois a Venezuela não mantém relações diplomáticas com esse país.

A ideia do Mercosul começou a surgir com a democratização regional dos anos 1980. A Argentina e o Brasil se reaproximaram sob a diplomacia presidencial de Raül Alfonsín e José Sarney. Na Declaração do Iguaçu (1985), os dois lançaram a ideia de integração política e econômica do Cone Sul. da qual deveriam participar também o Uruguai e o Paraguai. Vem daí o Tratado de Assunção (1991), que criou o bloco. Adotava-se o exemplo de integração da Comunidade Econômica Europeia (CEE), hoje União Europeia (UE). Antes do Mercosul, havia nascido a Associação Latino- Americana de Livre-Comércio (Alalc, 1960), depois substituída pela Associação Latino-Americana de Integração (Aladi, 1980). Nenhuma delas contribuiu muito para a integração.

Como se vê agora, o projeto de criar uma união aduaneira, que pressupõe uma tarifa externa comum, era excessivamente otimista. Seria difícil reeditar a experiência da Europa, movida pela necessidade de eliminar o motivo básico de suas terríveis gueixas (a conquista territorial) e promover a democracia, o respeito aos direitos humanos e o bem-estar. No caso da Espanha, a busca de sua incorporação à CEE ajudou na transição política iniciada com a morte do ditador Francisco Franco (1975). O país não seria aceito sem inequívoca estabilidade política e econômica. A lembrança da guerra civil (1936-1939) estimulou a aprovação das reformas necessárias.

No começo, o projeto andou bem. A Argentina e o Brasil desarmaram as desconfianças mútuas que nos seus regimes militares motivaram programas nucleares e projetos não confessados de construir a bomba atômica. Caíram preconceitos e barreiras que inibiam o florescimento do comércio entre os dois países. O comércio se expandiu vigorosamente. A Argentina se tomou o terceiro maior mercado exterior do Brasil. O investimento entre os membros do bloco explodiu. Empresas dos respectivos países — particularmente da Argentina e do Brasil — se instalaram ou se expandiram fortemente na região. O êxito inicial justificou propostas para que a região evoluísse na direção de formas mais ambiciosas de integração.

Infelizmente, as ideias originais ficaram para trás. As exceções à tarifa externa comum se tomaram permanentes e agora se discute duplicar a respectiva lista, de 100 para 200 casos. O comércio intrabloco caiu de 21% para 14% do total. Em meio a tudo isso, veio a suspensão do Paraguai do Mercosul, sob o argumento de que o impeachment do presidente Fernando Lugo teria violado a cláusula democrática do bloco. O vácuo foi lamentavelmente utilizado para aprovar a adesão da Venezuela, em processo-relâmpago. Especialistas respeitados dizem que a manobra foi feita ao arrepio dos tratados. A natureza da mudança de governo no Paraguai é objeto de controvérsia, mas esta quase não existe quando se examina a forma como o novo membro foi admitido no bloco.

Com o ingresso da Venezuela, em má hora orquestrado pelo Brasil e pela Argentina, a instabilidade do Mercosul tende a piorar. O bloco não vai desaparecer, mas sua concepção inicial ficará cada vez mais distante. A saudação comemorativa de Hugo Chávez pode também ser interpretada como um bye-bye para a sonhada união nos moldes europeus

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