FOLHA DE SP -04/08
Provavelmente tudo foi como Gurgel descreve; mas constitui prova suficiente para condenar José Dirceu?
ROBERTO GURGEL, o procurador-geral, não tem o tipo físico de quem está encarregado de acusar os réus do mensalão. Sua voz não se levanta, os olhos tampouco, enquanto ele fala durante horas. De tão redondo, seu rosto de ursinho parece não ter perfil. Nada, nem o nariz, aponta para alguém.
Talvez por isso tenha ficado a impressão, na tarde de ontem, de que sua fala tenha alternado argumentos sólidos com outros não muito definitivos.
Começando pela ponta mais frágil. Gurgel fez considerações gerais sobre a questão da prova, nos casos que envolvem o crime organizado. Os esquemas mais sofisticados arregimentam laranjas, intermediários, assessores. O chefe não se envolve diretamente.
Como incriminá-lo? Gurgel invoca a teoria jurídica do "domínio do fato". Autor do crime é quem decide e planeja a atividade dos demais.
Não há impressões digitais nem gravações telefônicas numa situação dessas. Restam apenas os depoimentos de testemunhas. Foi com esses pressupostos que Gurgel passou ao grande tema: a culpa de José Dirceu.
Não faltam testemunhos contra ele. Marcos Valério, Roberto Jefferson, Valdemar da Costa Neto, todos convergem na tese de que nada era feito sem a anuência de Dirceu. O tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e o presidente do partido na época, José Genoino, não tinham cacife para decidir sozinhos.
Provavelmente tudo foi como Gurgel descreve. Mas será que isso constitui prova suficiente, do ponto de vista jurídico, para condenar José Dirceu? O procurador-geral raciocina pela via inversa. Não é possível acreditar, por exemplo, que Dirceu tenha se reunido com o presidente de um banco português apenas para tratar de investimentos turísticos na Bahia. Se fosse assim, o que estavam fazendo Delúbio e Marcos Valério na reunião?
Coisas desse tipo só se explicam se aceitarmos a tese de que Dirceu era o mentor do esquema. Mas não é certo que os ministros do STF achem que, com isso, está provada a culpa dele.
Seja como for, quem defende os mensaleiros terá mais problemas para continuar na tese de que tudo foi só uma redistribuição de sobras de campanha.
Roberto Gurgel mostrou, com detalhes, a ligação que havia entre os saques em dinheiro e as votações no Congresso Nacional. Difícil uma evidência mais clara de compra de votos.
Líderes do PP, do PL e do PTB recebiam seus pacotes em dinheiro vivo, dias antes de decisões importantes para o governo. Jacinto Lamas, tesoureiro do PL, pegou R$ 100 mil sete dias antes da votação da reforma tributária, mais R$ 100 mil na véspera, e outros R$ 100 mil quando seu partido completou a missão.
Um velho programa de TV usava o bordão "acredite se quiser". Aqui, depois da calma e longa fala da acusação, seria o caso de inverter a frase. "Não acredite se não quiser."
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