sábado, agosto 04, 2012

O mundo é dos psicopatas - WALCYR CARRASCO

REVISTA ÉPOCA


Eles são sedutores, não dá para saber do que são capazes. Já me relacionei com uma psicopata assassina sem ter idéia



Vivo encontrando psicopatas. Não me espantei quando li as notícias sobre o recente massacre nos Estados Unidos, protagonizado por James Holmes, de 24 anos, cujos disparos atingiram 70 pessoas numa sala de cinema, 12 delas mortas. Já me relacionei com uma psicopata assassina, sem jamais suspeitar. Há muitos anos, morei uma temporada no México. Vivia com uma amiga, Regina, em Cuernavaca. Regina era produtora de espetáculos e rapidamente se relacionou com um grupo de cantoras local. Uma delas, cujo nome prefiro ocultar por delicadeza, era uma garota simpática que nos convidou a vê-la no bar de um hotel local. Nunca esqueci aquela noite luxuosa para meus padrões na época, pois, sabedora de nossa difícil situação financeira, a cantora ofereceu as bebidas. Voltei ao Brasil sozinho. Anos depois, Regina reapareceu com a novidade. A cantora matara o namorado, um americano. E o esquartejara na banheira do quarto de hotel! Depois, espalhara os pedaços pela Cidade do México. Crime muito semelhante ao recentemente ocorrido em São Paulo. Foi presa e nunca mais soubemos dela. Até hoje não consigo entender: como aquela garota risonha foi capaz de esquartejar o namorado?

Essa é a grande questão sobre os psicopatas: são sedutores. Não se percebe do que são capazes até quando algo tremendamente terrível acontece. Li faz pouco um belo livro,Precisamos falar sobre Kevin, da americana Lionel Shriver. Ela conta, do ponto de vista da mãe chocada, a trajetória de um garoto que se torna serial killer – o livro foi também adaptado para o cinema, com direção de Lyanne Ramsay. A mensagem final é de desesperança. Percebe-se que não havia nada a fazer, desde o momento em que Kevin nasceu, a não ser aguardar a tragédia. Tive o privilégio de conhecer, socialmente, a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa da Silva, autora deMentes perigosas – O psicopata mora ao lado. Com ela, entendi que a psicopatia não tem cura, pois o sujeito não tem nenhum sentimento em relação ao outro. Eis um caso verdadeiro: a avó de um garoto negou alguma coisa que ele queria. Uma bobagem qualquer. O anjinho botou o gato da vovó no micro-ondas e ligou.

Eis o outro lado da moeda: ser psicopata até certo grau é uma característica valorizada pela sociedade. Há alguns anos, falava-se na lei de Gérson, “levar vantagem em tudo”. A expressão saiu de moda, mas no cerne continua valendo. As crianças são educadas não para amar, mas para vencer o próximo. O que importa é subir na vida, ser rico, doa a quem doer. Quando escrevi a novela Morde & assopra, na TV Globo, minha colaboradora, Cláudia Souto, propôs que o prefeito e sua mulher dessem um golpe na merenda escolar. Quase rejeitei a ideia. Pensava que ninguém seria capaz disso. Por coincidência, pouco depois vários escândalos com a merenda escolar pipocaram pelo interior de São Paulo. O corrupto rouba na merenda. Na conta de hospitais. Sabe que gente passará fome, até morrerá por causa de seus atos. Pouco importa, na lógica psicopata. Muitos altos executivos colocam a empresa acima de tudo, até das relações familiares. E daí, se ganham bem?Um grande número de psicopatas, porém, não chega ao extremo, como atesta Ana Beatriz. Simplesmente, usa os outros. Não quero me fazer de vítima do mundo. Talvez por ser autor de novelas, eu atraia um número grande de personalidades com um traço doentio. São pessoas dispostas a fazer qualquer coisa para conquistar a fama – que, no Brasil, se traduz em conseguir um papel na televisão. Com frequência, alguém se aproxima oferecendo amizade. Até há pouco tempo, eu era um tanto ingênuo. Acreditava. Muitas vezes a amizade acabou subitamente, com acusações e raiva, quando não ofereci em contrapartida um papel na próxima novela. Só então eu descobria: o objetivo não era a amizade, mas entrar na TV!

Meu sobrenome é Carrasco. Por ser de origem espanhola, não significa que algum de meus antepassados enforcasse alguém profissionalmente. Mas cresci com o peso que um nome desses carrega. Há anos, em Lisboa, descobri um Pátio do Carrasco. Lá morava, no passado, justamente o... carrasco, em português. Olhei as casas simples, imaginei aquele homem, brincando com as crianças, trazendo um pão para o jantar. Se alguém lhe perguntasse sobre seu cotidiano de mortes, ele responderia:

– É minha profissão.

Ninguém se engane. A falta de sentimento pela dor alheia tornou-se uma vantagem no mundo dos negócios e da política. O psicopata é um vencedor.

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