Desertores, como o primeiro-ministro, são hábeis em detectar a direção dos ventos
A indicação mais forte de que o governo Bashar Assad está condenado não é nem o resultado, seja qual for, da batalha de Aleppo, nem mesmo o atentado que matou quatro integrantes do esquema de segurança do regime, há duas semanas.
É o fato de que os ratos estão abandonando o navio. Não creio que "rato" seja uma designação exageradamente negativa para Riyad Farid Hijab, o primeiro-ministro que fugiu ontem.
O comunicado com que anunciou a deserção é um primor de pouca-vergonha: "Hoje, anuncio minha deserção do regime terrorista e assassino e anuncio que me somo às fileiras da liberdade e da dignidade da revolução".
Hijab serviu a vida toda ao "regime terrorista e assassino". Ocupou cargos no partido Baath, que serve de cobertura para a ditadura, desde a juventude. Chegou a ministro (da Agricultura) no mesmo ano em que começava a revolução. Dali pulou ao cargo de primeiro-ministro.
Ou seja, é parte inoxidável do "regime terrorista e assassino". Mas esse tipo de gente tem faro extraordinário para detectar a direção dos ventos. Tanto que, apesar de sunita, integrou-se a um regime dominado pela minoria alauita, ramo do xiismo, enquanto a ditadura parecia eterna. Agora que ela cambaleia, volta ao ninho sunita (a grande maioria dos revoltosos é sunita).
Não é o único exemplo: faz pouco vi na TV um discurso do general Manaf Tlas, mais alta patente a desertar, depois de ter ficado ao lado dos Assad desde o tempo de Hafez, o pai do atual ditador, não menos sanguinário que o filho.
Pareceu-me o típico caudilho de republiqueta, que a América Latina conhece tão bem. Apunhala o amigo de ontem apenas para ficar com o que sobrar de seu poder.
Se é verdade que toda revolução é como Saturno, que devora seus filhos, temo que os revolucionários sírios serão fatalmente devorados. Ou pelo próprio Assad, se sobreviver, ou por desertores que conhecem melhor que ninguém os escaninhos do poder.
Pobres dos meninos que, primeiro, saíram às ruas para protestar pacificamente e foram massacrados dia após dia dos últimos 17 meses, e agora, cansados de morrer, tomam as armas.
Álvaro de Cózar, enviado especial do jornal "El País" a Aleppo, pergunta, em subtítulo de extensa reportagem no domingo, "o que leva um jovem universitário a gastar US$ 1.000 em um fuzil Kalashnikov e ir para a guerra?".
Respondeu ontem no mesmo jornal o filósofo iraniano Ramin Jahanbegloo (Universidade de Toronto), com uma perspectiva abrangente:
"Durante meio século, todo o mundo acusou os cidadãos árabes, turcos e iranianos de não mostrar suficiente interesse em conquistar as liberdades democráticas nem lutar verdadeiramente para livrar-se de seus governantes autoritários. Nos últimos tempos, no entanto, milhões de egípcios, tunisianos, iranianos, iemenitas, sírios e bareinitas demonstraram que essa acusação não era certa, ao levar a cabo mobilizações cada vez mais amplas contra os tiranos".
Seria cruel se, na Síria, ganhassem do tirano e perdessem para os ratos.
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