quarta-feira, agosto 01, 2012

Os limites da onipotência - ALEXANDRE SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 01/08


Às vezes é interessante imaginar o que faria um gestor onipotente para resolver a crise europeia, não porque seja desejável alguém com tamanho poder, mas sim para avaliar a distância entre o que seria tecnicamente requerido para por fim à turbulência na Zona do Euro (ZE) e o que o sistema político, felizmente democrático, é capaz de produzir. Obviamente um ser onipotente poderia tão somente desejar que a crise se acabasse por força da sua vontade sobrenatural, mas não é disso que falo aqui. Refiro-me à solução dentro da ordem humana, que obedeça às restrições impostas pelo funcionamento dos mercados.

Feita a advertência, o consenso que emerge das análises mais sérias e (paradoxalmente, no contexto deste artigo) menos religiosas do problema, aponta para três elementos complementares.

Em primeiro lugar, dada a distorção gerada por anos de inflação mais alta na periferia europeia com relação ao centro, seria necessário agora que este permitisse que sua taxa de inflação fosse superior à periférica. Por exemplo, entre 1999 e 2008 a inflação espanhola superou a alemã em 15 pontos percentuais (cerca de 1,5% por ano), diferença que agora precisaria de correção a ritmo bem mais rápido. Para evitar, porém, que tal correção obrigasse a um devastador processo deflacionário na Espanha, a inflação na Alemanha teria que ser bem mais alta que a meta para a ZE como um todo, e, crucialmente, mais elevada que os 2,5-3% ao ano que as autoridades germânicas consideram aceitável.

Adicionalmente a solução passa também por alguma forma de mutualização dos passivos, isto é, a assunção das dívidas nacionais por parte de uma autoridade supranacional, medida que gera duas ordens de preocupação.

A primeira é se isto não acabaria tendo o efeito inverso ao desejado, qual seja, ameaçar a sustentabilidade de todos os países da ZE, ao invés de ajudar aqueles em dificuldade. No entanto, como sempre é lembrado, caso a ZE já fosse uma federação, seus números fiscais seriam melhores que os americanos, sugerindo não haver razão para crer que o custo de sua dívida deveria ser maior que os baixíssimos níveis a que Tesouro dos EUA hoje se financia.

O fato, porém, é que a ZE ainda não tem uma autoridade federal, o que nos leva diretamente à segundo preocupação. Se apenas a dívida fosse supranacional, nenhum país teria incentivos para manter a disciplina e, portanto, cedo ou tarde o desempenho fiscal da ZE se deterioraria. Portanto, a contrapartida da mutualização da dívida deve ser a centralização fiscal a cargo de um Tesouro supranacional, com poderes para impor suas decisões aos países membros da união monetária.

O terceiro elemento da solução diz respeito aos bancos e é analiticamente similar à questão fiscal. Hoje bancos e países estão presos num “abraço de afogados”. A má forma dos bancos onera o custo dos tesouros, vistos como a garantia do sistema, derrubando os preços dos títulos governamentais; por outro lado, a perda de valor dos títulos públicos piora o balanço bancário.

Assim, para quebrar o “abraço” é necessário também mutualizar as garantias bancárias o que, como no caso fiscal, requer a centralização do poder financeiro em alguma instituição supranacional, sem o que os incentivos à gestão temerária dos bancos seriam intoleráveis.

Trata-se de uma lista formidável de requerimentos e não é preciso nenhum senso sobrenatural para concluir que, do ponto de vista político, ela é simplesmente inviável.

Todavia, se isto é verdade, o que resta para salvar a Europa? Apenas soluções tortas, que, de uma forma ou de outra, passarão pelo Banco Central Europeu (BCE). O exame das alternativas fica para as próximas colunas, mas desde já é bom deixar claro que hoje, em face do impasse político, não há outra instituição que possa endereçar, ainda que de forma imperfeita, a armadilha em que a Europa se enfiou.

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