FOLHA DE SP - 24/08
A reportagem sobre a volta do Imperador começava assim: "Curado, Adriano retorna ao Flamengo..."
HÁ COISA de 20 anos, fui ao Guarujá entrevistar a Hortência para a capa da "Revista da Folha". Já éramos amigas na época, sempre tivemos uma conversa fácil. Se existe uma pessoa que sabe lidar com jornalista e transitar sem medo entre o público e o privado, essa é a Hortência. Tem pouco a esconder e adora testar sua ousadia.
E, no entanto, eu comecei a fazer perguntas e a perceber que ela respondia tudo no automático, sem pensar duas vezes. Uma atrás da outra. Até o ponto em que interrompi a conversa e desliguei o gravador. "Espera aí", disse. "Há quanto tempo você não responde uma pergunta que nunca ouviu antes?", eu já começava a lamentar minha sorte. "Ah, Barbara, há uns bons oito anos", confessou.
Agradeci muito e voltei para São Paulo. Como é que eu poderia colocá-la na capa se ela não tinha nada de inédito a dizer? Cheguei em casa e liguei para o Zé Victor Oliva, com quem ela ainda era casada. Ele me contou uma história engraçadíssima sobre um murro que sua mulher havia desferido no nariz de um leiteiro que atrasava a ida dela ao treino porque, toda manhã, o sujeito fazia questão de apertar cada botão do elevador do edifício em que ela e a Magic Paula moravam em Sorocaba.
Para meu desespero, a Hortência era Ph.D. em discorrer sobre Hortência. E isso foi antes, muito antes do "media training", esse bombardeio de perguntas-treino a que políticos, artistas, homens de negócios e até réus de crimes que irão se apresentar para interrogatório são submetidos por equipes de profissionais compostos por psicólogos, comunicadores, marqueteiros, fonoaudiólogos e juristas. Não há mais espaço para improvisação.
Mas parece que só um lado se muniu e se preparou. Nesta semana, veja só, assisti, em um jornal de esportes da TV paga, a uma reportagem sobre a volta de Adriano ao futebol que começava assim: "Curado, Adriano retorna ao Flamengo..." Cuma? Onde estamos? No limbo? Além da Imaginação (o seriado)?
Como pode despejar sobre o pobre assinante um jarro de esperanças vãs e, em seguida, mostrar uma imagem do Imperador pronto a decolar feito uma "mongolfeira" de tão inchado? Juro. Adriano está parecendo um bagre. E olha que falo com carinho de fã. O show de horrores terminava mencionando alegrias para a torcida.
Não quero parecer aqui um urubu de mau agouro, mas tive um pressentimento péssimo. Algo me diz que estamos a poucos dias daquela outra reportagem, a famigerada entrevista ao "Fantástico", em que o craque, um especialista em dar entrevistas sobre os erros e tropeços de Adriano, virá a público para explicar por que foi mandado embora do Flamengo.
Pois eu pergunto: meu ouvido é penico? Por que só os entrevistados se esmeram? Jornalista esportivo não sabe que existe consumo excessivo de álcool e drogas no futebol? Por que não vão aprender as implicações que isso pode ter na vida da pessoa? "Curado"? Qual era mesmo a doença de Adriano?
E olha que nem começou direito a campanha eleitoral. Já imaginou o que não vai ser na hora em que o maior especialista do planeta em José Serra, ele mesmo, José Serra for nos explicar por que merece ser prefeito? Só para não ter de ouvi-lo discorrer vai ter gente fingindo que acredita que poder de arguição é a mesma coisa que capacidade administrativa.
E eu que reclamava da falta de assunto da Hortência. Bate na boca, Barbarica!
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