sexta-feira, agosto 24, 2012

Caridade com o MEC - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 24/08


SÃO PAULO - O princípio da caridade, proposto, entre outros, pelo filósofo analítico Willard van Orman Quine, exige que, no curso de um debate de ideias, concedamos às declarações analisadas a mais generosa e benigna interpretação possível. Isso significa que devemos tratá-las em princípio como racionais e bem-intencionadas. Só podemos considerá-las enganosas quando não houver outra leitura possível.

Nesse espírito, antes de decretar que a mudança no sistema de avaliação do ensino médio aventada pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante, é uma empulhação com objetivos políticos, convém aguardar até que o Inep, o braço estatístico do MEC, apresente sua proposta metodológica. Mas, já que a ideia é contribuir para o debate, vale externar desde logo algumas inquietações.

Mercadante alega que o Enem é uma régua mais adequada para medir a qualidade do ciclo médio do que a Aneb (Avaliação Nacional do Ensino Básico), teste hoje utilizado no âmbito do Ideb. Para o ministro, o Enem é superior porque é uma prova "quase censitária", enquanto a Aneb tem aplicação amostral.

É verdade que coberturas censitárias são, em geral, preferíveis, só que o Enem, como bem frisou Mercadante, é "quase censitário". Esse "quase" esconde algo importante. Os estudantes que deixam de fazer a prova tendem a ser aqueles que não estão interessados em cursar uma faculdade, ou seja, os menos preparados e que, na Aneb, que é estratificada para incluir todo tipo de aluno, puxam a média para baixo. Só excluir essa população já melhoraria a nota geral, mas isso seria mais uma manipulação do que um aprimoramento.

Em tese, há maneiras de contornar a dificuldade. A mais óbvia é tornar o Enem obrigatório para todos os formandos. Uma solução estatística tampouco está descartada. Por isso, é preciso esperar a proposta oficial. Torçamos para que Mercadante não traia o princípio da caridade.

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