sexta-feira, agosto 24, 2012

Adriano, Ph.D. em desculpas - BARBARA GANCIA

FOLHA DE SP - 24/08


A reportagem sobre a volta do Imperador começava assim: "Curado, Adriano retorna ao Flamengo..."


HÁ COISA de 20 anos, fui ao Gua­rujá entrevistar a Hortência para a capa da "Revista da Folha". Já éramos amigas na época, sempre tivemos uma conversa fá­cil. Se existe uma pessoa que sabe lidar com jornalista e transitar sem medo entre o público e o privado, essa é a Hortência. Tem pouco a es­conder e adora testar sua ousa­dia.

E, no entanto, eu comecei a fazer perguntas e a perceber que ela res­pondia tudo no automático, sem pensar duas vezes. Uma atrás da outra. Até o ponto em que inter­rompi a conversa e desliguei o gra­vador. "Espera aí", disse. "Há quan­to tempo você não responde uma pergunta que nunca ouviu antes?", eu já começava a lamentar minha sorte. "Ah, Barbara, há uns bons oi­to anos", confessou.

Agradeci muito e voltei para São Paulo. Como é que eu poderia colo­cá-la na capa se ela não tinha nada de inédito a dizer? Cheguei em casa e liguei para o Zé Victor Oliva, com quem ela ainda era casada. Ele me contou uma história engraçadíssi­ma sobre um murro que sua mu­lher havia desferido no nariz de um leiteiro que atrasava a ida dela ao treino porque, toda manhã, o sujei­to fazia questão de apertar cada bo­tão do elevador do edifício em que ela e a Magic Paula moravam em Sorocaba.

Para meu desespero, a Hortência era Ph.D. em discorrer sobre Hor­tência. E isso foi antes, muito antes do "media training", esse bombar­deio de perguntas-treino a que polí­ticos, artistas, homens de negócios e até réus de crimes que irão se apresentar para interrogatório são submetidos por equipes de profis­sionais compostos por psicólogos, comunicadores, marqueteiros, fo­noaudiólogos e juristas. Não há mais espaço para improvisação.

Mas parece que só um lado se mu­niu e se preparou. Nesta semana, veja só, assisti, em um jornal de es­portes da TV paga, a uma reporta­gem sobre a volta de Adriano ao fu­tebol que começava assim: "Cura­do, Adriano retorna ao Flamen­go..." Cuma? Onde estamos? No limbo? Além da Imaginação (o se­riado)?

Como pode despejar sobre o pobre assinante um jarro de espe­ranças vãs e, em seguida, mostrar uma imagem do Imperador pronto a decolar feito uma "mongolfeira" de tão inchado? Juro. Adriano está parecendo um bagre. E olha que falo com carinho de fã. O show de hor­rores terminava mencionando ale­grias para a torcida.

Não quero parecer aqui um urubu de mau agouro, mas tive um pres­sentimento péssimo. Algo me diz que estamos a poucos dias daquela outra reportagem, a famigerada entrevista ao "Fantástico", em que o craque, um especialista em dar entrevistas sobre os erros e trope­ços de Adriano, virá a público para explicar por que foi mandado em­bora do Flamengo.

Pois eu pergunto: meu ouvido é penico? Por que só os entrevistados se esmeram? Jornalista esportivo não sabe que existe consumo ex­cessivo de álcool e drogas no fute­bol? Por que não vão aprender as implicações que isso pode ter na vi­da da pessoa? "Curado"? Qual era mesmo a doença de Adriano?

E olha que nem começou direito a campanha eleitoral. Já imaginou o que não vai ser na hora em que o maior especialista do planeta em José Serra, ele mesmo, José Serra for nos explicar por que merece ser prefeito? Só para não ter de ouvi-lo discorrer vai ter gente fingindo que acredita que poder de arguição é a mesma coisa que capacidade admi­nistrativa.

E eu que reclamava da falta de as­sunto da Hortência. Bate na boca, Barbarica!

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