FOLHA DE SP - 22/07
O sol da Capadócia já subiu às seis da manhã e levou para cima com ele a sensação térmica de 34ºC. Ainda assim, a maquiadora espirra uma solução aquosa nas axilas de Rodrigo Lombardi, para fingir que ele está suado, minutos antes de gravar. É que o suor real não parece ser de verdade na tela, ela diz.
A arte da telenovela imita a vida nesse caso: transpirar é o verbo mais conjugado pela equipe de "Salve Jorge", durante as gravações no auge do verão da Turquia. O segundo mais conjugado é madrugar. A próxima novela das nove da Globo tem estreia prevista para 22 de outubro.
Às 5h da quinta-feira da semana passada, Lombardi e seu cigarro aceso se encontram com o repórter Chico Felitti. O ator, que virou galã em "Caminho das Índias" (2009), segura a posição em outro texto de Gloria Perez. Seu personagem, Theo, trabalha na cavalaria das Forças Armadas do Brasil e, por amor, vai parar nas formações rochosas da região turca, onde naquele dia gravaria com cavalos e o colega Domingos Montagner.
Em meio à música romântica que toca no set para inspirar emoção nos atores, salta o barulho de um pum. "Foi o Domingos ou o pangaré?", pergunta um dos assistentes. Risos.
Montagner interpreta um galã aos 50 anos. Ele é Zyah, guia turístico local que "usa o charme para ajudar no ganha-pão", como define o ator e palhaço do Circo Zanni. A caracterização de turco inclui um amuleto usado pelos curdos, minoria étnica que sofreu décadas de discriminação por parte do governo da Turquia. "Se eu sou curdo? Não, não sou, até onde eu saiba." Seria causa social demais uma só novela? "É, uma de cada vez."
O engajamento da vez é pelo tráfico de seres humanos. Morena, a protagonista, vivida por Nanda Costa, 25, é vítima de um golpe que a leva trabalhar como escrava na Espanha. Depois vai parar na Turquia e acaba no Morro do Alemão pós-pacificação, os núcleos da trama.
"O roteiro não foi escrito por inteiro. Estamos filmando cenas que poderão ser encaixadas mais para a frente", explica o diretor Marcos Schechtman. A equipe comandada por ele começa a gravar às 4h e só termina quando o trabalho acabar.
Não são só os humanos que labutam em doses cavalares. "Os cavalos estão cansados. Pode parar de correr, eles estão esgotados", diz o treinador Ekrem Ilhan, de volta à cena de Lombardi e seus equinos. Foi Ilham que fez as cenas mais perigosas, em que Montagner não podia cavalgar. "Só a Cléo não precisa de dublê. Ela é a melhor de nós na montaria", reconhece o ator.
"Montar em pelo? Adoro!", diz Cléo Pires, 29, que agora está loira por escolha própria. "Dependendo do jeito que você senta é mais confortável do que com estribo." A montaria veio de casa. "Meu pai, Fábio [Júnior], tinha haras. Então sempre tive familiaridade com cavalo."
O gosto por galopar não é a única característica espartana de Cléo. Na novela, ela vive a brasileira rica Bianca, que se apaixona pelo turco Zyah. "Adoro acordar às 3h para gravar", diz. "Um dia me liberaram às 11h e eu não sabia o que fazer!"
Fazer compras estava fora de cogitação. "As pessoas daqui têm uma relação mais oriental com o dinheiro. Ele é importante, mas não um fim." Ela diz que a viagem a ensinou a cochilar à tarde, "uma ou duas horas". A pestana permite sair à noite.
A trupe adotou o bar Fat Boys para confraternizações, com tacos, cerveja e sinuca. No fim de uma das noitadas, dois locais brigaram por ciúme das brasileiras, que nem mais no bar estavam. Um puxou a peixeira, e a polícia foi chamada. "É bom tê-las aqui, mas os homens ficaram meio eriçados", diz a hoteleira Gülsin Demirören, que viu a peleja. "Bem eriçados."
É o caso do agricultor Ahmet Arnavut. Ele mora ao lado de um dos sets usados nos 20 dias de gravação. Ele olha as atrizes e diz: "Lindas". Perguntado de quem gostava mais, aponta para Nanda. "Por ela eu daria três cavalos Mas só três porque não é loira. Valeria mais loira."
O novo corte de cabelo, mais volumoso, aliás, não é a única coisa na cabeça da protagonista. A Turquia pode a qualquer momento começar uma guerra com a Síria, que há um mês derrubou um jato turco e matou seus dois tripulantes. "Se tiver guerra, ótimo: a gente coloca também na novela", afirma a atriz. "Mas São Jorge nos protege, nada vai acontecer!"
Às vezes parece que o padroeiro da trama é outro santo: Antônio. Tiago Abravanel e Nanda se encontram no saguão do hotel. O ator, sentado, dá um beijinho na coxa da protagonista, em pé. Ela repousa no braço da poltrona dele e coloca uma de suas pernas entre as de Abravanel.
O neto de Silvio Santos discute a relação: "É amizade. Tive sorte muito grande de conhecer uma pessoa fantástica como ela", diz. Ele estreia na Globo depois de ter feito "metade de 'Amor e Revolução'" na emissora do vovô e ganhado fama como Tim Maia em um musical.
Mas Tiago parece conhecer a equipe de longa data. Imita o maquiador que, irritado ao receber uma ligação, atende ao telefone falando "Quem me incomoda?". Quando vai gravar, coloca o celular entre os seios da maquiadora. Ela diz "vou cuidar, que é do patrão Silvio", enquanto o Abravanel neto sai gritando "mashallah!".
É que "mashallah" (graças a Deus!) é o novo "inshallah" (o que Deus quis, usado em "O Clone"), na categoria dito local da vez.
"As expressões servem para dar sabor local", afirma Schechtman. "Falamos com sotaque brasileiro mesmo", diz Betty Gofman, que será a tia ciumenta do personagem de Montagner, uma mina de jargões. "Tem um que todo mundo daqui ri quando eu digo, que é o 'orospu'." Pudera: "orospu" nunca seria pronunciado na TV turca. É o xingamento de calão mais baixo para uma profissional de sexo. "Nosso público é o brasileiro", diz Gofman.
Mesmo a bailarina de dança do ventre da trama é nacional: Clara Sussekind está há seis anos em Göreme, mas veio do Brasil e sabe sambar. Foi com ela que os atores dançaram nas cenas que fecham a novela.
Começo e final estão prontos. Falta só a Gloria Perez e ao diretor achar meios que justifiquem esse fim em oito meses de folhetim. Se a curiosidade for grande, é só perguntar a Lombardi: "Sabia do final de 'Caminho das Índias' no primeiro dia de filmagem, e agora é a mesma coisa com 'Salve Jorge'. Sou um cofre de finais", diz, empapado de suor cenográfico.
Bordões turcos que vêm por aí
Aprenda pronúncia e significado das expressões em turco que vão dar o que ouvir em "Salve Jorge"
Allah Allah! (alarralá!)
Interjeição de surpresa, negativa ou positiva, parecida com "nossa!"
Mashallah! (maxalá!)
Expressão para comemorar graça alcançada, tipo "graças a Deus!"
Merhaba (merabá)
Oi
Abi (abi)
Irmão, amigo
Orospu (orospú)
Prostituta
Sillik (Chilik)
Vagabunda
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