O GLOBO - 22/07
Não deu outra: o governo produziu um surto grevista no serviço público federal. Estão paradas, há dois meses, 56 universidades federais, e há funcionários em greve em pelo menos 15 repartições de 26 estados. Chegou-se a essa situação porque a doutora Dilma e seus comissários acharam que podiam enfrentar as reivindicações com onipotência e embromatina.
O surto começou em junho com a greve dos professores de universidades federais. Era uma paralisação parcial, e o governo disse que o problema deveria ser negociado no Ministério do Planejamento, onde a comissária Miriam Belchior informava que não trataria com grevistas. Era o Modelo Scania. Em 1978 ele produziu um surto grevista no ABC de São Paulo e dele emergiu um sujeito chamado Lula.
Ao escolher esse caminho, a doutora Dilma cometeu uma imprudência semelhante à do industrial que, diante de uma greve, manda o assunto para uma discussão entre o sindicato e a diretoria financeira da empresa. De lá, só sai uma resposta: não há dinheiro. A onipotência ruiu numa sexta 13, quando a comissária Belchior apresentou uma proposta aos grevistas. Em quase todos os casos, além de aumentos salariais, os servidores querem planos de carreira prometidos e jamais apresentados.
O comissariado do Planalto quer a coisa (acabar com a greve) e seu contrário (preservar a incolumidade política dos ministros cujas áreas são afetadas pelo movimento). Aí entra a embromatina. O ministro da Educação sumiu. O da Saúde emudeceu, com servidores da Anvisa parados e com a Funasa parcialmente paralisada. O do Trabalho não se sabe onde está. O comissário dos movimentos sociais, Gilberto Carvalho, passou por perto, afastou-se e reapareceu, falando em "equacionar as contas", sem que se saiba o que isso quer dizer.
Com as greves espalhadas pelas agências reguladoras, pelo Incra, pelo IBGE e em pelo menos seis ministérios, somando algo entre 150 mil servidores, segundo o governo, e 500 mil, segundo os grevistas, o Planalto soltou o espantalho da crise econômica refletida no pibinho. É um truque velho. Generaliza o problema com o propósito de não discutir a pauta específica. A crise europeia nada teve a ver com o engavetamento dos planos de carreira dos professores universitários brasileiros. Se um servidor do Judiciário está sem aumento há três anos ou espera pelo plano de carreira há outros tantos, essa argumentação chega a ser desrespeitosa. Ele pode até discordar da extensão das reivindicações do sindicato, mas não quer ser tratado como bobo.
Foi Miriam Belchior quem travou as negociações? Mercadante ficou longe? Padilha se manteve calado? Tudo isso é verdade, mas só aconteceu porque a gerentona Dilma Rousseff desenhou uma estratégia cataléptica que estimulou as greves e acrescentou um desnecessário elemento de tensão. Dificilmente Lula tomaria esse caminho, parecido com o dos generais ou com a severidade de Fernando Henrique Cardoso na greve dos petroleiros de 1995.
Na última opção preferencial pela embromatina, o Planalto ameaça cortar os salários dos grevistas. Nem Ronald Reagan, o exterminador de sindicatos, seria capaz de deixar 55 mil professores sem dois meses de salários. Se a ameaça fosse séria, teria eficácia em junho. É uma parolagem sempre repetida, jamais cumprida. Exatamente por isso, as greves no serviço público são duradouras e no setor privado são breves.
Miep Gies
Chegou às livrarias "Lembrando Anne Frank". Traz a história de Miep Gies, uma jovem funcionária da firma do pai da menina. Durante dois anos, ela levou alimentos para a família Frank, escondida no sótão do prédio.
Foi Miep quem achou e guardou o diário de Anne Frank. Nunca o abriu e confessa que, se o tivesse feito, teria destruído o manuscrito. Mesmo depois da publicação do livro, levou tempo para lê-lo.
Miep morreu em 2010, aos 100 anos. Seu depoimento é uma viagem pela simplicidade e grandeza da alma humana: "Minha história é a de uma pessoa comum numa época extraordinariamente terrível. (...) Caberá a nós, as pessoas comuns de todo o mundo, impedir que se repita".
Ela sempre se recusou a ser celebridade, mas ganhou algo capaz de fazer inveja a Lula: um pequeno asteroide, de número 99949, descoberto em 2007, leva o nome Miepgies.
Onipotência
As operadoras de celulares sabiam que a Anatel poderia puni-las. Duvidaram e acenderam um fósforo para mostrar que não havia gasolina no tanque. Havia.
ElevadorX
Outro dia, um curioso foi ao lindo edifício do antigo Hotel Serrador, na Cinelândia, hoje ocupado por Eike Batista e suas empresas. Dirigiu-se a um elevador e foi informado de que ele servia apenas ao doutor Eike.
Esperou alguns minutos, embarcou noutro e teve um delírio. Achou que subia na companhia de Ângelo Calmon de Sá, dono do Banco Econômico; Theodoro Quartim Barbosa, do Comind; Edemar Cid Ferreira, do Santos; e Richard Fuld, do Lehman Brothers. Todos gostavam de elevadores exclusivos. Todos quebraram.
Eremildo, o idiota, e a loura do Senado
Eremildo é um idiota e soube que Denise Leitão Rocha, escultural assessora especial do senador Ciro Nogueira (PP-PI), teve que entrar em férias e deverá ser demitida porque caiu na Internet um vídeo de 3 minutos de suas intimidades com um colega.
O senador Ciro Nogueira compõe a CPMI de Carlinhos Cachoeira e nela teve seus minutos de fama quando sustentou que o empreiteiro Fernando Cavendish não devia ser chamado a depor. (O doutor, vestido, jantara com o empresário no restaurante L''Avenue, em Paris, onde a conta não sai por menos de R$ 600 por cabeça, a seco.)
O idiota acredita que os senadores que participam da CPMI sentados, de terno e gravata, diante das câmeras, nada têm a ver com a atividade da assessora, deitada. A humanidade existe porque há milênios faz o que se vê no vídeo. Já o que se vê publicamente em algumas transmissões da CPMI ofende os bons costumes.
Nos 3 minutos do vídeo, não aparece qualquer coisa que tenha sido adquirida com dinheiro público. Tudo o que acontece ali está explícito. Não houve dinheiro da Viúva envolvido na produção do vídeo e só o vê quem quer. As sessões da CPMI são gravadas com verbas do Congresso e transmitidas para todo o país pela TV Senado.
Eremildo chegou a pensar em propor que a CPMI crie um sistema de clips. Algumas intervenções de parlamentares seriam transmitidas com áudio da sessão e, feita uma advertência, com vídeo de Denise. Ganhariam credibilidade e audiência.
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