domingo, julho 22, 2012
Gravata prateada - LUIS FERNANDO VERISSIMO
O Estado de S.Paulo - 22/07
Belinha e Saul tinham 15 anos de namoro e cinco morando juntos quando decidiram se casar a pedido do pai da Belinha, dr. Haroldo. O dr. Haroldo possuía uma gravata prateada que usara só três vezes na vida: na sua formatura, no seu próprio casamento e nos 15 anos da Belinha. Queria usá-la só mais uma vez, levando Belinha ao altar. Queria um casamento completo - igreja, recepção, tudo - e pagaria o que fosse preciso para ter aquela alegria, levar a Belinha ao altar com sua gravata prateada.
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O próprio dr. Haroldo não confessaria, mas havia um toque de vaidade no seu pedido. Ele ficara com os cabelos grisalhos nas têmporas, o que combinaria bem com a gravata prateada. Mas não era só isso. O fato de Belinha e Saul morarem juntos não o incomodava. Aceitava os novos tempos, sempre fora um homem sem preconceitos. Mas também acreditava que deveria haver uma certa cerimônia , um certo ritual - uma liturgia, era esse o termo que procurava - em ocasiões como um casamento, que marcavam a vida das pessoas para sempre. Se demorara tanto tempo para pedir aquilo à Belinha era porque suas têmporas ainda não estavam suficientemente prateadas para acompanhar a gravata na sua última aparição em público. Pagaria pelo vestido da noiva, pagaria pela recepção, pagaria por tudo para que o casamento de Belinha fosse inesquecível. E a data do casamento foi marcada.
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O engraçado é que, à medida que se aproximava a data, Saul, o noivo, ia ficando cada vez mais nervoso. Os amigos tentavam acalmá-lo.
- Que é isso, cara? Casados vocês já estão. Esse casamento não muda nada.
- É só uma pantomima.
- É só uma formalidade.
- Isso é que me assusta - dizia Saul. - Essa palavra. Formalidade. Não sei se eu estou preparado para a formalidade.
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A verdade era que Saul ficara impressionado com os argumentos do futuro sogro. Era importante a liturgia. Eram importantes o respeito à tradição e às convenções sociais, era importante a formalidade. Enfim, era importante tudo que a gravata prateada representava. Casamento era coisa séria.
- Que nada, cara - diziam os amigos. - Você e a Belinha se dão bem sem casamento. A formalidade vai ser só pra agradar ao velho. Não muda nada.
- Muda - insistia Saul. - Agora tudo vai ter outro significado. E eu não sei se estou pronto pra isso.
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O casamento foi tudo que o dr. Haroldo sonhava. A igreja decorada com flores, o órgão, Belinha linda no seu vestido de noiva e o pai da noiva resplandecente com suas têmporas grisalhas e sua gravata prateada. Saul não pode conter as lagrimas quando viu Belinha entrar na Igreja de braços dados com o pai. Aquele era mesmo um momento sublime que marcaria sua vida para sempre. A recepção não ficou atrás da cerimônia e também foi perfeita. E inesquecível.
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Semanas depois do casamento Saul confidenciou aos amigos que tinha falhado. Como, falhado? Na lua de mel. Não conseguira. E continuava não conseguindo. Ele e Belinha não tinham relações desde o casamento, e a culpa era dele.
- É que eu nunca transei com uma mulher casada - explicou Saul.
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