domingo, julho 15, 2012
A caixa-preta do exame da OAB - ELIO GASPARI
FOLHA DE S. PAULO - 15/07
A Ordem dos Advogados se mete em tudo, menos nos seus próprios negócios milionários
Em dezembro de 2010, quando se descobriu que uma lambança ocorrida na distribuição das provas do Enem atrapalhara a vida de cerca de 10 mil dos 3,3 milhões de jovens que haviam prestado a prova, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, prontamente anunciou que pediria a anulação do exame.
Seria mais razoável oferecer uma nova prova aos prejudicados (o que foi feito), mas a Ordem defendeu uma posição extrema.
A veneranda OAB fez fama como papagaio de pirata de crises. Há um problema, e lá está ela metendo seu bico. Não importa que o assunto nada tenha a ver com o exercício da profissão de advogado. Nem mesmo que proponha uma nova e absurda prova para 3,3 milhões de jovens.
A OAB tornou-se uma instituição milionária e suas contas estão longe da vista do poder público. O doutor Ophir chegou a dizer que "o Congresso Nacional tornou-se um pântano". Um de seus antecessores, Roberto Busatto, disse que "o comportamento indecoroso de alguns agentes públicos expôs ao desgaste as instituições do Estado".
No seu próprio quintal, ela não é tão vigorosa, muito menos transparente. Há anos pipocam denúncias de fraudes no exame que os bacharéis são obrigados a prestar na Ordem para poderem trabalhar como advogados.
Desde 2007, sabia-se que uma integrante da banca de Brasília vendera por R$ 4.000 as perguntas de uma prova. Posteriormente ela recebeu o título de "melhor examinadora".
Em Goiás, 41 candidatos compraram provas por até R$ 15 mil, e o Tribunal de Ética da Ordem decidiu que eles nada devem. Jamais a OAB mobilizou-se para punir exemplar e publicamente esse tipo de delinquência.
Agora a Polícia Federal anunciou que existiram duas infiltrações fraudulentas nos seus exames de 2009 e 2010. Numa ponta, 152 bacharéis compraram provas e, com isso, 62 deles habilitaram-se para cargos na PF, na Receita e na Abin. Felizmente, graças à polícia, foram afastados de suas funções.
Na outra ponta o problema é maior: 1.076 advogados "colaram" durante os exames. A PF descobriu isso de uma maneira simples. Rodou as respostas dos candidatos num programa de computador desenvolvido na Academia Nacional de Polícia, e a máquina descobriu onde se colou.
Simples: se num local 30% dos candidatos acertaram uma questão que teve um índice nacional de acerto de 5%, houve "cola". (Steve Levitt explica a racionalidade estatística do sistema num capítulo do seu magnífico livro "Freakonomics"). Esse tipo de auditoria tornou-se o terror da rede escolar pública americana. Na semana passada, pegaram uma rede de "cola" num dos melhores colégios de Nova York.
Se a OAB quer continuar a dar lições aos outros, pouco lhe custaria criar uma auditoria semelhante à que a Polícia Federal usou. Não conseguirá pegar todos os examinadores que vendem provas, mas identificará os locais onde a "cola" é ampla, geral e irrestrita.
SAÚDE NA RUA
Acendeu-se no Planalto o sinal de perigo com a explosão de centenas de planos de saúde que há anos vendem serviços que não podem entregar.
Se a doutora Dilma socorrer as bibocas, preservará a empulhação, armando uma bomba de efeito retardado. Se não socorrer (o que será melhor), terá de explicar como chegou a esse ponto.
Pela conta a que chegou a repórter Cristine Bonfanti, os planos de 2 milhões de pessoas estão na frigideira.
CARDEAIS
D. Eugenio Salles morreu aos 91 anos e já estava fora do colégio de cardeais que elege o papa. Agora ele poderia dar uma palavrinha para que Bento 16 preencha as vagas cardinalícias nas sés brasileiras.
Os arcebispos do Rio e de Brasília estão sem o barrete. Porto Alegre já teve cardeal, e Recife está pronta para ser promovida desde os anos 70, mas foi colocada na geladeira pela hostilidade da ditadura a D. Hélder Câmara. Enquanto isso, o Vaticano elevou a sé de Valência, na Espanha, e aspergiu cardeais pela França.
É provável que Bento 16 mude essa situação antes de sua vinda ao Brasil, no ano que vem.
Quem acompanha a política de Roma acredita que no próximo conclave, pela primeira vez, haverá um candidato forte de fora da Europa.
É o arcebispo de Tegucigalpa, Oscar Maradiaga. Seria o primeiro papa músico, além de professor de química e física.
Na hipótese europeia, há o cardeal Angelo Scola. É forte porque sempre que o arcebispo de Milão chegou ao conclave podendo ser eleito, saiu papa.
LULA, O BÓSON DE HIGGS DO PT
Admita-se que há três problemas sobre a mesa: a estagnação do PIB, a CPI do Cachoeira e a expansão das greves do funcionalismo. O PT não tem nada a dizer a respeito de nenhum deles. Não se sabe nem sequer de que lado está.
Ao tempo do vice José Alencar havia petistas defendendo a queda dos juros, mas eles já caíram. Na CPI, os petistas estão dos dois lados do guichê, ora cobrando, ora silenciando.
Diante da greve dos professores, durante 53 dias, não conseguiram nem sequer oferecer mediações. Só acordaram na terça-feira, quando Lula entrou no circuito. Três dias depois, pelo menos tinham o que propor.
Simbolicamente, na famosa cena do encontro de Lula com Maluf, havia dois outros personagens. Um, Rui Falcão, presidente do partido. O outro era o vereador Wadih Mutran, do PP. Os repórteres Diógenes Campanha e Paulo Gama mostraram que desde 2008 seu patrimônio dobrou, chegando a R$ 3,8 milhões. Como? Três bilhetes de loteria premiados. (Ele guarda R$ 1,4 milhão em dinheiro vivo.)
A ambiguidade do PT em relação aos dinheirinhos fáceis é antiga. Sua exaustão intelectual aconteceu há anos, quando se transformou num apêndice do lulismo, sem que se saiba o que isso significa. Produziu-se uma federação de comissariados, sem plataformas ou propostas, acumulando interesses.
Assim como sucedeu ao PMDB, o PT virou um aglomerado sem massa. Não existe sem o seu bóson de Higgs. Ele se chama Lula.
O teste dessa partícula agregadora ocorrerá na eleição de São Paulo. Se Fernando Haddad vencer, mais uma vez o bóson de Lula terá arrastado as fichas. Se perder, a derrota será só dele.
No dia em que o Banco Central apontou uma estagnação do PIB, a doutora Dilma disse que "uma grande nação deve ser medida por aquilo que faz para suas crianças e seus adolescentes. Não é o Produto Interno Bruto. É a capacidade do país, do governo, e da sociedade de proteger o seu presente e o seu futuro, que são suas crianças e seus adolescentes".
Quis a sorte que houvesse uma baiana na plateia para decifrar a fala: "Isso, na minha terra, se chama "enrolation", "embromation"". Nessa arte Lula é mestre, Dilma é uma constrangida aprendiz.
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