quarta-feira, junho 27, 2012
Uma proposta para evitar o erro de 2009 - CRISTIANO ROMERO
Valor Econômico - 27/06
Se o governo mantiver a disciplina fiscal, mesmo em meio ao fraco crescimento da economia, é bem provável que o Banco Central (BC) consiga manter a taxa básica de juros (Selic), de forma permanente, em níveis historicamente baixos. A preservação da meta de superávit primário das contas públicas evitaria a repetição do erro cometido em 2009. Naquele momento, o Produto Interno Bruto (PIB) desacelerou rapidamente e, em resposta, o BC promoveu forte queda dos juros, mas teve que voltar atrás depois, graças ao aumento da inflação provocado pelo excesso de estímulos fiscais concedidos pelo governo.
A nova onda de desaquecimento da economia mundial e do próprio PIB brasileiro cria outra oportunidade. Popularidade para insistir na atual estratégia fiscal, a presidente Dilma Rousseff tem de sobra. Níveis de desemprego historicamente baixos, rede de proteção social fortalecida e inflação razoavelmente comportada (alta para padrões internacionais, mas sob controle) ajudam a sustentar politicamente uma postura mais austera na área fiscal.
"Quando a economia enfrenta uma série de choques negativos, como ocorre hoje, um período de taxas de juros excepcionalmente baixas abre uma oportunidade para o governo reduzir rapidamente a relação dívida/PIB, uma vez que mais do superávit primário pode ser usado para quitar dívida, dada a menor despesa com juros", diz o economista Tony Volpon, da Nomura Securities, em Nova York. "Níveis menores de dívida devem permitir que as taxas de juros permaneçam mais baixas permanentemente."
A estratégia do governo Dilma parece ser, de fato, a geração de superávits primários suficientes para apoiar a política do BC de redução dos juros. Volpon e seu colega George Lei defendem, entretanto, que o governo ouse um pouco mais e adote uma política fiscal anticíclica.
A queda da taxa Selic e a geração de superávits primários fizeram com que o gasto com juros da dívida caísse de 6% do PIB em 2005 para 4,4% em 2011. Volpon e Lei observam que o custo médio da dívida do governo geral, que inclui a dívida federal, as operações compromissadas do BC e outros itens, não seguiu exatamente o recuo da Selic. Isso é explicado pelo fato de a dívida pública ter papéis de tipos e prazos diferentes. Segundo os dois analistas, o Tesouro considera ótima uma estrutura de dívida em que a participação dos papéis prefixados aumente dos atuais 36,8% para no mínimo 40% e no máximo 50% do total e dos títulos atrelados à inflação de 31,3% para no mínimo 30% e no máximo 35%, com redução dos papéis corrigidos por taxas flutuantes de 25,4% para no mínimo 20% e no máximo 10%.
Os dois economistas acreditam que essas metas serão alcançadas em 2015. Aplicando modelos econométricos, eles estimaram os custos dos diferentes tipos de dívida. As LFTs, por exemplo, são papéis pós-fixados e seguem a variação da Selic. As LTNs de curto prazo são prefixadas e, basicamente, respondem ao nível da Selic. Atreladas à inflação, as NTN-B seguem a Selic e a diferença entre a inflação corrente (IPCA) e as expectativas mercado para a inflação 12 meses adiante.
A conta mais difícil diz respeito às NTN-F, que são prefixadas e de longo prazo. Seu custo praticamente não variou desde 2010, apesar da redução da Selic. O que pode explicar isso é que o Tesouro vem ampliando os prazos desses títulos, o que o obriga a oferecer maior rentabilidade ao investidor.
Partindo da composição de dívida mencionada e de projeções para Selic, inflação e expectativas de inflação, Volpon e Lei calcularam o custo de cada tipo de dívida e também o custo total e, assim, o déficit nominal, considerando determinados níveis de superávit primário. No modelo, projetaram crescimento do PIB de 1,9% em 2012, 4,1% em 2013 e 3,5% ao ano a partir de 2014. No caso da inflação, previram média de 5% ao ano.
A partir desse ponto, os dois montaram dois cenários: um em que a Selic ficaria "mais baixa para sempre", chegando a 7,5% ao fim do atual ciclo de ajuste monetário (hoje, está em 8,5% ao ano); e outro, "cíclico", com a Selic caindo a 7,5%, mas depois voltando a crescer até atingir 9% em outubro de 2013. Consideradas essas duas possibilidades, se o governo mantiver o superávit primário anual de 3,1% do PIB, no cenário de Selic "mais baixa para sempre", o déficit público nominal cairia de 2,6% para 0,5% do PIB em 2015. Em 2017, o país geraria um superávit nominal de 0,1% do PIB nas contas públicas.
No cenário "cíclico" e considerando o mesmo superávit, a relação dívida bruta/PIB cairia para 48,3% em 2015 (hoje, está em 55,5%). Ainda nesse cenário, um caminho alternativo seria o governo estabilizar a relação dívida/PIB em 55%, o que lhe autorizaria a reduzir o superávit primário até 0,7% do PIB em 2015.
Volpon e Lei explicam que, na média dos dois cenários, o país poderia reduzir a relação dívida/PIB para 46% ou cortar a necessidade de superávit primário em 2,4 pontos percentuais do PIB. "Esses resultados são importantes para dar uma estimativa dos graus de liberdade que o Brasil pode adquirir ao administrar, e esperamos que ao reformular, sua política fiscal", diz Volpon.
Os dois analistas defendem que o governo siga uma possibilidade intermediária, que chamam de contingente. Eles dizem que manter o superávit de 3,1% pura e simplesmente sobrecarrega a política monetária. A proposta é atrelar o superávit primário ao ciclo econômico e ao nível de taxas de juros nominais: nos momentos de crescimento forte do PIB, o superávit primário aumentaria graças à elasticidade receita/crescimento, resultando no aperto da política fiscal de maneira anticíclica.
Volpon e Lei acreditam que, no sistema contingente, o peso sobre a política monetária seria menor, haveria mais transparência (o ajuste anticíclico seria "ex ante" e não "ex post", como é feito hoje graças a descontos discricionários nos investimentos), os investimentos públicos seriam mais alinhados com o ciclo econômico (cresceriam quando a economia estivesse fraca e diminuiriam quando estivesse forte, uma vez que o setor privado cumpre seu papel em momentos de expansão), a relação dívida/PIB continuaria a cair, ajudando a manter a confiança na sustentabilidade fiscal.
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