O GLOBO - 27/06
Tudo muda para nada mudar. O balé diplomático para salvar a Europa recomeça amanhã, mas para os chefes de Estado e governo que na semana passada deram a volta ao mundo participando de reuniões nos mais variados formatos, nem a tradicional foto de família dos encontros ficou na memória. A História se acelerou e poucas vezes tantas eleições foram realizadas quase que simultaneamente e tantas crises espoucaram ao mesmo tempo. Egito? Grécia? G-20? Rio+20? Os resultados de eleições e reuniões de cúpula indicam que são poucas as chances de mudança e, à medida que a crise cresce, os políticos ficam menores.
No Egito, a explosão de gritos e fogos após o anúncio do vitorioso na primeira eleição presidencial pós-Mubarak foi acompanhada de perto por militares entrincheirados em tanques e um forte aparato policial. Metade dos eleitores, inconformada com a obrigação de escolher entre um ex-primeiro-ministro do velho ditador e um retrógrado muçulmano, preferiu a abstenção, especialmente os jovens que fizeram da Praça Tahrir o símbolo da Primavera Árabe. A eleição de um candidato da Irmandade Muçulmana tem, claro, um poder simbólico e político importante para todo o mundo árabe. Mas o partido, ao realizar a ambição perseguida desde sua criação nos anos 20, chega à Presidência com o cargo já moldado para preservar os interesses dos militares, os mesmos que garantiram as três décadas da ditadura Mubarak. A suspeita demora para anunciar o vencedor da eleição deixa a desconfiança de que os resultados foram decididos em negociações a portas fechadas e não só na apuração das urnas, dizem observadores. Na divisão de poderes, os aliados do faraó ainda deverão ficar com os ministérios mais poderosos, como segurança interna e política externa. A luta continua na Praça Tahrir, mas as mulheres já quase não são mais vistas por lá, e os homens têm aquela barbinha de inconfundível corte muçulmano.
Enquanto isso na Grécia, a velha Nova Democracia deu uma espanada na poeira de anos e anos de corrupção com ineficiência, e amanhã o novo governo do velho político Antonis Samaras tentará convencer os líderes europeus de que o país mudou. Conhecido por trocar de posição ao sabor de suas ambições, o novo primeiro-ministro tenta se equilibrar numa corda bamba ao ter de servir a dois senhores: para agradar a seus eleitores, precisa tirar o máximo de concessões de Bruxelas; mas, para ganhar a confiança dos credores externos, tem de botar na mesa um plano econômico consistente.
"A dificuldade maior para mudanças é a falta de ideias e líderes que parem de pensar na próxima eleição e assumam riscos políticos", diz um assessor que estará amanhã no Sommet Européen, a reunião dos 27 países da União Europeia, mais uma vez considerada decisiva para dar futuro à região que já foi a mais rica do planeta.
Desde que a França colocou a faca e seus muitos queijos nas mãos do socialista François Hollande, a correlação de forças no bloco ficou menos humilhante para os países superendividados e afundados na recessão. O coro dos descontentes com as políticas de austeridade a qualquer preço recebeu o apoio interesseiro de Obama - ele também olhando para a eleição de novembro - e até a Alemanha abrandou suas exigências diante da saraivada de reprimendas que recebeu: anunciou um timidíssimo plano para incentivar as economias deprimidas. Pouco, muito pouco, para fazer os cidadãos voltarem a acreditar nos políticos, imobilizados ou transformados em tecnocratas.
"A economia se converteu na única história da Europa. A visão unilateral dos especialistas está se convertendo num perigoso arraso moral", revolta-se o escritor espanhol Jordi Solar.
Até agora silenciosos, os intelectuais lançaram um manifesto - com cerca de 30 assinaturas de escritores e cineastas de nacionalidades diferentes - defendendo que a crise é uma oportunidade para impulsionar a emergência de uma verdadeira cidadania europeia, não limitada à ajuda econômica.
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