FOLHA DE SP - 11/06
RIO DE JANEIRO - Em 1968, quando ainda morava no Rio, Paulo Francis disse casualmente numa roda em que se discutia certo programa de televisão: "Minha televisão fica no quarto da empregada. Sinto que estou envenenando a coitadinha". Gargalhadas gerais. E não era mais um esnobismo de Francis. Era a verdade. O surpreendente é que, com isso, ele admitia ter televisão em casa, mesmo que no quarto dos fundos.
Eu, por exemplo, garoto, boêmio e morador do Solar da Fossa, não tinha. Nem me passava pela cabeça. A rua era excitante demais para se ficar em casa, e a programação das emissoras, mesmo com os festivais da canção, não era páreo para a vida real.
Naquele ano, havia 4 milhões de aparelhos no Brasil. Hoje, são 200 milhões. Mas nada é eterno, e algo me diz que a televisão doméstica, entronizada na sala ou no quarto de dormir, chegou ao pico -muito mais gente logo estará ligada em telinhas na palma da mão do que nessas catedrais de 50 polegadas. E, para quem continuar a manter uma TV em casa, ela não terá mais status do que um liquidificador.
O que me parece ótimo. Com as telinhas de três polegadas, as pessoas estão voltando a sair às ruas, sem prejuízo da sua fome de informação. A televisão vai com elas. Não admira que os botequins vivam abarrotados -quando as pessoas querem se informar sobre alguma coisa, interrompem a fala ou a mastigação e tiram a maquininha do bolso.
Em 1971, Francis se mudou para Nova York. Pouco depois, fui visitá-lo lá. Estranhei quando vi uma enorme TV na sala de seu apartamento na Bleecker Street, no Village. E mais ainda quando ele me falou entusiasmado de um novo sistema de transmissão paga, em que cabos por baixo das ruas lhe permitiam assistir a 40 ou 50 canais. E o engraçado é que, como sua antiga empregada, Francis não se sentia envenenado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário