A comissária Miriam Belchior, ministra do Planejamento, conseguiu uma proeza. Veterana militante do PT, provocou uma greve de professores das universidades federais que durou um mês e poderá terminar com o atendimento da principal e justa reivindicação dos servidores.
Desde agosto do ano passado o Planejamento sabia que os professores reivindicavam um plano de carreira semelhante ao que existe no Ministério da Ciência e Tecnologia. Estava aceso o sinal do risco de greve. O assunto vinha sendo negociado por Duvanier Paiva Ferreira, secretário de Recursos Humanos da doutora Belchior. Em janeiro, Duvanier foi acometido por três desgraças: teve um enfarte, tinha o plano de saúde dos servidores federais e era negro. Foi a duas casas de saúde, daquelas que têm nomes de santas (Lúcia e Luzia), e não foi atendido. Morreu.
A prudência recomendava que a negociação fosse imediatamente retomada, mas empacou. A ideia da greve avançou, e ela estourou no dia 17 de maio. Pararam 14 universidades.
Nesse momento, a comissária Miriam adotou o "Modelo Scania" de negociação. O governo só conversaria com o retorno ao trabalho. Foi reforçada por sábios da Advocacia Geral da União que defendiam a decretação da ilegalidade do movimento. Novamente, o "Modelo Scania", mas felizmente a proposta foi rebarbada. A greve expandiu-se para 49 instituições, parando 55 mil professores.
Depois de um mês, com um prejuízo de R$ 1 bilhão para a Viúva, a perda de aulas para cerca de 600 mil estudantes, o governo reuniu-se com os grevistas. Na melhor técnica da marquetagem, a comissária Miriam e o ministro Aloizio Mercadante (tão frequente nas cenas de comitivas presidenciais) não apareceram na fotografia. O governo apresentou a promessa de um plano de carreira semelhante ao do Ministério da Ciência e Tecnologia, e informou que oficializará a proposta nesta terça-feira.
A ministra é futricada na Esplanada dos Ministérios por colegas que se queixam dela por não devolver telefonemas no mesmo dia e por marcar reuniões com 15 dias de espera. Até aí, pode ser a maledicência de Brasília.
A poderosa comissária tinha 20 anos em 1978, quando os barões da indústria automobilística e a diretoria da fábrica de caminhões Scania souberam que 3 mil operários haviam entrado em greve. O patronato disse que só conversaria quando a patuleia voltasse ao trabalho. Buscaram, com sucesso, a decretação da ilegalidade da paralisação. Quebraram a cara. A greve alastrou-se pelo ABC, parando cem mil operários em 55 empresas. Ao final, cederam, e assim nasceu um novo personagem na política brasileira: Lula.
Dois anos depois, Miriam e seu namorado, Celso Daniel, ajudaram a fundar o Partido dos Trabalhadores.
Verdade e Araguaia
Na hora em que o comando do Exército diz de novo que os papéis da ação da tropa no Araguaia foram queimados, saiu o livro "Mata! - O Major Curió e as Guerrilhas no Araguaia", do repórter Leonencio Nossa. Nele está o melhor levantamento já feito sobre o extermínio total e sistemático dos guerrilheiros, praticado depois de outubro de 1973. É uma narrativa capaz de abalar o dia do leitor. Leonencio colheu depoimentos de 153 pessoas, muitas delas relacionadas com a matança. Curió tem um pé na mitomania, e alguns detalhes podem ser contestados, mas são minúcias.
"Mata!" descreve o assassinato de 30 militantes do PC do B ou de moradores que se ligaram a eles. Ele confirma a falsidade de três afirmações.
1) Os documentos relacionados com o Araguaia não desapareceram. Queimaram muitos, mas não todos. Leonencio identifica os oficiais que comandaram a matança.
2) O extermínio dos prisioneiros não foi obra de militares indisciplinados. Foi uma decisão de governo, tomada pelos presidentes e ministros do Exército da ocasião.
3) Aquilo não foi uma guerra, foi uma operação para apagar a memória. Em maio de 1945 havia 20 pessoas no bunker de Hitler. Sumiu só uma. No Araguaia, eram 49, e sumiram todas. Aviões lançavam panfletos convidando os fugitivos à rendição. Um deles dizia: "Oferecemos a possibilidade de abandonar a aventura com vida, com tratamento digno e julgamento justo". Mentira.
Quem passar por uma livraria e tiver disposição (muita) pode sapear seis páginas (196 a 202), com a narrativa da captura de Áurea Valadão, de 24 anos, ex-estudante de Física da UFRJ, e do camponês Batista.
As primeiras vítimas de Cachoeira
Tudo bem, o doutor Fernando Cavendish, dono da Delta, está no uso e gozo de suas posses e guardanapos. Os governadores Marconi Perillo e Agnelo Queiroz estão no pleno uso e gozo de seus patrimônios e mandatos.
Até agora, só correm risco de tomar ferro os trabalhadores demitidos depois da suspensão de contratos e obras da Delta. Havia 32 mil operários nos serviços da empreiteira. Já foram dispensados 2.400 funcionários diretos e 3 mil terceirizados. Nenhum deles conhecia Carlinhos Cachoeira, mas seus direitos trabalhistas atolarão no pântano de uma recuperação judicial.
Há cerca de um mês o comissário Gilberto Carvalho informou que "a gente não acha prudente trazer para o epicentro do governo um assunto que está sendo tratado no Dnit, e a CGU está cuidando também".
Problema da periferia é assim mesmo, não chega ao "epicentro do governo".
Mistério na História
O Conselho Editorial da revista História, da Sociedade de Amigos da Biblioteca Nacional (Sabin), demitiu-se. Ficou um mistério nos anais da revista. Continuam na gaveta da redação 24 páginas de uma reportagem de capa dedicada à deposição do presidente João Goulart, preparada para a edição de abril passado. Estavam prontinhas, diagramadas. Quatro artigos e diversas fotos já haviam sido pagos. No lugar entrou uma nova capa, sobre "Heróis ou mercenários? - Brasileiros que lutam nas guerras dos outros".
Quem conhece a carpintaria de uma revista sabe que 24 páginas editadas não somem com a naturalidade de uma troca de fotografia programada por engano. O episódio ocorreu pouco depois da encrenca provocada por uma resenha do livro "A Privataria Tucana", expurgada do site da revista. Seu autor, o jornalista Celso de Castro Barbosa, foi dispensado pela direção da revista e queixou-se do tratamento recebido em duas cartas aos conselheiros. Ninguém respondeu. Uma coisa é certa, a Sabin nunca se envolveu com o conteúdo da revista e só soube da existência do trabalho mandado à gaveta na hora do paganini das fotos e dos artigos.
Inépcia
Pergunta para o cônsul americano em São Paulo, doutor William Popp:
Se sumirem centenas de passaportes de cidadãos americanos que solicitam vistos de entrada em Pindorama ao consulado brasileiro em Nova Iorque, o FBI deve ser avisado?
Sob sua jurisdição, sumiram, há mais de um mês, cerca de 700 passaportes de brasileiros. Ele não avisou à Polícia Federal.
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