O GLOBO - 07/06
O calendário divulgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para o julgamento do mensalão pode ser considerado uma resposta às ações do ex-presidente Lula de tentar adiá-lo para depois das eleições. Se tudo correr como o previsto, sem que nenhum ministro peça vista do processo — o que parece descartado pela péssima repercussão que teria junto à opinião pública —, o julgamento deve terminar na primeira semana de setembro, um mês antes das eleições municipais.
Outro detalhe importante do calendário é que o ministro Cezar Peluso, que se aposenta no dia 3 de setembro por fazer 70 anos, terá condições de dar o seu voto. Ele é o sétimo juiz a votar, e sua vez deverá chegar por volta do dia 29 de agosto.
Peluso participou da reunião administrativa de ontem, que definiu o calendário, e deu várias sugestões, o que sugere que a possibilidade de antecipar sua aposentadoria, não regressando do recesso de julho, está superada diante da viabilidade de ele proferir seu voto.
O presidente do STF, ministro Ayres Britto, conseguiu alcançar os três objetivos internos a que se propôs: o calendário foi aprovado de comum acordo, o que demonstra que os ministros do Supremo decidiram dar uma demonstração de harmonia, num processo que o jurista Joaquim Falcão, diretor da Faculdade de Direito da FGV-Rio classifica de “desemocionalização” das relações
internas do Supremo, que recuperaria a capacidade de promover consensos.
O fato de ter sido aprovado um esforço concentrado nos primeiros 15 dias de julgamento, com sessões todos os dias da semana, mostra que o STF deu ao julgamento um caráter especial, mesmo que não tenha cancelado o recesso de julho nem marcado todo o julgamento para sessões contínuas, como também queria Britto.
A segunda parte do julgamento será realizada em três sessões diárias, às segundas, às quartas e às quintas-feiras, com a aquiescência do relator, ministro Joaquim Barbosa, que tem problemas de coluna e havia dito que não poderia ficar sentado por mais de cinco horas durante todos os dias da semana. Ele mesmo admitiu que o calendário levou em conta suas condições de saúde, dando-se por satisfeito com o ritmo dos trabalhos.
O terceiro fator importante foi conseguir montar um calendário que abrigasse a possibilidade de o ministro Cezar Peluso dar o seu voto, para aproveitar, na definição de Ayres Britto, sua “técnica refinada” e os conhecimentos de um juiz experiente que dará “qualidade ao julgamento”.
O calendário também foi marcado com a concordância do ministro Ricardo Lewandowski, que se comprometeu a entregar seu voto de revisor até o fim deste mês, encerrando assim a dúvida sobre a data em que terminaria seu trabalho. O presidente do Supremo, Ayres Britto, não descarta a possibilidade de antecipar esse cronograma, caso os ministros decidam ampliar as horas de julgamento, entrando pela noite nos primeiros 15 dias.
“Julgaremos sem sangue nos olhos, mas também sem ramalhetes de flores”, definiu assim Ayres Britto o ânimo dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que, depois de todas as conturbações por que passaram nos últimos dias, com denúncias de pressões sobre vários deles, tiveram a capacidade de chegar a um consenso que atendeu às suas necessidades internas e também aos anseios da sociedade, que já emitiu diversos sinais de que, ao contrário de Lula, quer ver o julgamento do mensalão sendo realizado o mais rápido possível.
Outra demonstração de que houve uma mobilização do Supremo para demonstrar a importância que está dando ao julgamento é que a nova rotina do tribunal implicou mudanças das sessões da Primeira e da Segunda Turmas, que se reúnem normalmente às terças-feiras à tarde e passarão a se reunir pela manhã.
Também o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que se reúne nas terças-feiras à tarde, terá sessões no mesmo dia, mas pela manhã. E o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidido pela Ministra Cármem Lúcia e do qual fazem parte mais dois ministros do Supremo, que tem sessões às terças e às quintas-feiras a partir das 19h, passará a se reunir uma hora mais tarde.
A disparidade de comportamento entre os membros dos seus Conselhos de Ética e os plenários da Câmara e do Senado, uns recomendando a cassação dos mandatos da maioria dos envolvidos nos escândalos políticos, e o conjunto dos parlamentares
tendendo a absolver os que foram julgados, dá bem a importância do fim do voto secreto.
A explicação óbvia para os dois comportamentos é que, enquanto nas Comissões de Ética o voto é aberto, no plenário ele é secreto, o que acoberta as decisões individuais com o amplo manto do anonimato.
Esse ponto crucial para o aperfeiçoamento de nossa democracia esbarra desde 2001 em reações corporativas, pois tramitam no Congresso diversas emendas constitucionais, transformando em aberto o voto secreto.
A demora para aprovar essa mudança mostra bem as dificuldades que temos para moralizar nossos hábitos políticos. É a mesma que existe para a aprovação de uma reforma política de profundidade, que organize a atuação política e não permita infidelidades e traições impunes.
Só existem algumas ocasiões em que o voto é secreto no Congresso brasileiro: para a aprovação de embaixadores no Senado; para casos de perda de mandato de parlamentar; prisão de parlamentar em caso de flagrante de crime inafiançável; escolha de ministro do Tribunal de Contas da União e de presidentes e diretores do Banco Central; na exoneração do procurador-geral da República antes do término de seu mandato.
Em todos os casos, o motivo alegado é proteger os parlamentares das pressões dos demais poderes, mas, para a cassação de mandatos, essa desculpa não existe.
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