terça-feira, maio 22, 2012

O direito dos ofendidos - JAIRO MARQUES


FOLHA DE SP 22/05


Por que é proibido devolver a baforada com reclamação e até com a busca por uma reparação judicial?




As frases feitas do momento, seja no papo furado no cafezinho da firma, seja na feijoada com os amigos, têm sido: "Ai como o mundo está ficando chato"; "Ah, mas agora qualquer piada é motivo de questionamento"; "Puxa, mas a gente não pode nem mais brincar com nada, que já falam que é crime".

Parece, exageradamente, que um monte de tolos recalcados saiu de suas tumbas para perturbar a turma dos "legalzudos", dos "mordernetes", dos descolados com reclamações sobre piadas, sobre botar limites no humor.

Pouco leio ou escuto sobre a voz dos ofendidos, mas o grito pela tal "liberdade de expressão" de poder agredir os outros escuto sem parar.

Não quero marcar terreno como o chato de galochas, o defensor dos "politicamente corretos", dos almofadinhas, porque de correto não tenho nem o pé, mais torto do que árvore velha depois de ventania.

Também não componho com grupos orquestrados que enchem o saco por qualquer movimento que seja contrário a seus interesses.

Porém acho que é preciso dar às pessoas o básico direito de se ofenderem, de não gostarem, de não tolerarem ou de não curtirem no Facebook certas manifestações, certas graças que considerem sem graça, agressivamente sem graça.

Até concordo que tem havido exagero em algumas reclamações. Por exemplo, quando o chiste vem dos iguais. Se um rapaz negro não está nem aí em se vestir de gorila, é bem esquisito que outros da mesma cor se sintam prejudicados pela ação.

Como diria minha tia Filinha, "pé de galinha não mata pinto". Na turma das pessoas com deficiência, usamos cada termo para nos autointitularmos que quem ouve de relance pode achar que é caso de internação. São os mal-acabados, os chumbados -devido a pinos e hastes de metal que muitos guardam dentro de si após cirurgias reparadoras-, os estropiados, os "matrixianos" -pertencentes a um mundo paralelo, à Matrix, em alusão ao filme, os prejudicados das vistas, os puxadores de cachorro -cegos que usam cão-guia.

Logo que comecei a trabalhar na Folha, trombei em um corredor com o escritor e ídolo Marcelo Rubens Paiva, que à época quebrava pedra por aqui também. No que ele me viu, disparou com sorriso entre o sarcástico e o camarada: "Ah, que demais! Mais um aleijado na Redação".

Fiquei bege, afinal "aleijado" era de que os moleques me chamavam quando queriam me deixar mais bravo do que cachorro de japonês. Por alguns segundos, até pensei em chamá-lo "bobo", porém ali não morava agressão, era puro gracejo de "iguais cadeirantes".

Quando é mesmo uma sapatada na cara do orgulho, uma agulhada no brio, um ataque ao íntimo, um rastilho fértil para o Bullying de um filho, por que raios "é proibido" devolver a baforada com reclamação, com apelos e, em casos cabíveis, com a busca por reparação judicial?

Defender a liberdade de expressão está entre os preceitos que jurei ao assumir minha profissão, o jornalismo, e não me pairam dúvidas de seu valor intocável, universal e atual. Mas me incomoda a formação de um paredão visando impedir que ocorra revés àquilo que causou dano emocional ou de qualquer ordem a alguém.

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