quarta-feira, maio 16, 2012

Novos tempos - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 16/05


A lógica desta CPÌ do Cachoeira se inverteu em relação a outras, especialmente a do Orçamento, onde muitos dos parlamentares investigados eram os chefes. Hoje, Demóstenes, por exemplo, aparece mais como prestador de serviços

Houve uma época em que o sujeito preso e acusado de contravenção não via a hora de comparecer à Comissão Parlamentar de Inquérito e falar o que sabia. Foi assim, por exemplo, com José Carlos Alves dos Santos, o pivô da CPI do Orçamento há 19 anos. Mas José Carlos não foi o Cachoeira do seu tempo. Ele era apenas uma peça de um esquema com organograma difícil de desvendar.

Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, está mais para o poderoso chefão. Não por acaso, seu advogado é o mais ilustre da safra de profissionais dessa área trabalhando para personagens do esquema. Márcio Thomaz Bastos foi ministro da Justiça. Por isso, atende o chefe.

A forma como Carlinhos Cachoeira conversa com o senador Demóstenes indica que o senador apenas atendia aos interesses do amigo — se os dois eram sócios, ainda não temos elementos categóricos para afirmar. Mas está claro que a lógica desta CPI do Cachoeira se inverteu em relação a outras, especialmente a do Orçamento, onde muitos dos parlamentares investigados eram os chefes. Hoje, Demóstenes, por exemplo, aparece mais como prestador de serviços.

Por falar em funcionários...
Naquela CPI do Orçamento, a turma encarregada de analisar as cópias de cheques obtidas com a quebra de sigilo bancário se dedicava dia e noite à tarefa. Outros eram encarregados das emendas. Lá estavam Waldomiro Diniz, ex-secretário de Assuntos Parlamentares nos tempos em que José Dirceu era ministro da Casa Civil — a quem uma conversa com Cachoeira pedindo propina derrubou. Também ajudavam nas investigações Bernardo Appy, o ex-secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda, hoje na consultoria LCA. Appy era simplemente Beca. Vale lembrar o trabalho da atual ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, à época assessora dedicada, que vasculhava o Siafi (Sistema de Administração Financeira) como ninguém.

O time do PT, do PDT e do PSDB eram os melhores nessa tarefa, não só seus assessores, como parlamentares. Contaram ainda com o valoroso trabalho da Receita Federal e do Tribunal de Contas da União e do Banco Central. Atualmente, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) parece ser o único da velha guarda que continua dentro de uma CPI, trabalhando com afinco na tentativa de desvendar o grande organograma de Cachoeira. Assessores, na verdade, são bem menos do que os daquela época. E, para completar, avaliam os documentos por palavra-chave nos computadores, e muitos não se dão ao trabalho de ler tudo o que passa pela tela.

Por falar em desvendar...
As duas CPIs têm em comum o fato de os parlamentares tentarem ali proteger governadores. Ocorre que Cachoeira quer continuar protelando seu depoimento — essa história de advogado não ter acesso aos autos logo vai se transformar em falta de tempo por conta do volume de informações a serem analisadas. (Isso nós saberemos logo, uma vez que a CPI convocou Cachoeira de novo). Portanto, será a hora de chamar outras figuras. Nesse caso, os governadores e a Delta Construções, que era de Fernando Cavendish, dificilmente escapam.

Nunca é demais lembrar que, ao abrir para investigar os negócios da Delta com Cachoeira, a Comissão tenderá a se transformar numa CPI das empreiteiras, aquela que o Congresso sempre tentou fazer, mas não conseguiu. Como bem recorda o senador Pedro Simon, que há muitos anos tenta criar essa CPI, as assinaturas para criar esse colegiado vêm e vão como vento ao longo dos anos. Quem sabe agora vai?

Nos próximos dias, a CPI ainda tentará ouvir Cachoeira. Vamos esperar. Mas, como o chefão não quer depor, resta à CPI buscar um outro foco para jogar luz. E se você pensar bem, talvez não seja má ideia. Afinal, Cachoeira já está preso. Faltam os outros.

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