REVISTA VEJA
Agora, inspiro-me na semanal The Economist para examinar outra doença, a argentina: o populismo que flagela o país e o atrasa há anos. Foi assim na recente desapropriação das ações da Repsol na Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF). A presidente Cristina Kirchner a anunciou com estardalhaço e recebeu o apoio de políticos e da população (62% a favor). Prova de arraigado nacionalismo.
A Argentina viveu uma era de ouro entre 1880 e 1930. Em 1929, era uma das dez maiores economias do mundo. Caiu para a 23ª posição em 2008. No centenário da independência (1910), a renda per capita era a oitava. Despencou para a 57ª em 2008. Em 1929, o PIB brasileiro equivalia a 77% do argentino. Em 2011, o argentino representava 17% do nosso.
Em 1909, no otimismo da época, o escritor francês Anatole France (1844-1924) disse que, “ao iniciar-se o século XX, a Argentina ocupa no mundo uma posição quase igual à dos Estados Unidos no começo do século XIX”. O voto secreto foi aprovado em 1912. Em 1929, a classe média constituía a maioria. O país era o quinto em automóveis por habitante. Com 16% da população da América Latina, tinha 45% dos telefones e 58% dos carros. Depois da Inglaterra, era o maior consumidor de filmes americanos.
A Argentina se transformou em celeiro do mundo. Seu êxito decorreu de sete fatores: (1) a estabilidade política, iniciada com a Constituição de 1853, ainda em vigor; (2) a fertilidade natural dos pampas, de altíssima produtividade; (3) a crescente procura europeia por alimentos e matérias-primas: (4) a energia elétrica, que permitiu a frigorificação e a exportação de carne; (5) o navio a vapor, que diminuiu o custo de transporte; (6) a emigração do sul da Europa entre 1880 e 1910, cujo fluxo era proporcionalmente o triplo do observado nos Estados Unidos; (7) a atração do capital estrangeiro, que investiu em frigoríficos e estradas de ferro, fundamentais para a produção e a exportação de carne e trigo.
A Argentina enriqueceu sem instituições para lidar com crises e limitar os gastos dos governos. O sistema político falhou em seu primeiro teste, nos anos 1930, quando despencou o preço das commodities. A agricultura e o país empobreceram. A legitimidade do governo desmoronou. Um golpe militar contra o idoso presidente Hipólito Yrigoyen (1852-1933) foi o primeiro dos vários momentos de instabilidade e violência institucional dos anos seguintes.
A tragédia se acentuou a partir da ascensão de Juan Perón (1895-1974) à Presidência (1946). Perón ganhou popularidade com uma agressiva redistribuição da renda, inclusive mediante gastos sociais. Seu governo derrogou direitos de propriedade. Apropriou-se de parte da renda agrícola para financiar maiores gastos públicos, desapropriações e uma industrialização forçada. Adotou políticas industriais baseadas em subsídios e na substituição de importações. Tudo isso criou interesses e distorções que tiveram consequências adversas para o futuro do país. Depois de Perón, o populismo se tornou atávico.
A reestatização da YPF é mais um elo na cadeia de equívocos da gestão econômica argentina há quase sete décadas. Custa crer que um país tão rico em recursos naturais, dotado de uma população bem-educada e de trabalhadores qualificados, que já conheceu o sucesso, não consiga livrar-se da praga do populismo. Daí por que até a oposição apoiou a desapropriação da Repsol.
A Argentina está dando errado mais uma vez. A inflação, o maior sintoma, é manipulada pelo governo. A autonomia do Banco Central morreu com a nova lei que o vincula ao objetivo de crescimento, incompatível com a estabilidade monetária. É triste.
A ação do governo argentino tem apoio no Brasil. Houve vivas à desapropriação e propostas para adotarmos a mesma política econômica dos hermanos. Vade-retro!
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