VALOR ECONÔMICO - 04/04/12
Como o diabo mora nos detalhes, o projeto aprovado pelo Congresso trouxe novidades em relação à proposta original que põem em risco a solvência do Funpresp. É bem provável que a presidente Dilma Rousseff, que teve coragem política de ressuscitar um projeto abandonado havia oito anos, vete algumas das mudanças feitas pelos parlamentares.
O principal risco, na avaliação de Marcelo Abi-Ramia Caetano, economista do Ipea especialista em previdência, está no Fundo de Cobertura de Benefícios Extraordinários (FCBE). A ideia é que esse fundo pague um bônus para as categorias do funcionalismo que, pela Constituição, têm direito à aposentadoria antecipada. São os casos, por exemplo, das mulheres e dos professores do ensino infantil, fundamental e médio.
Para ficar em dois casos, o FCBE faria aporte extraordinário de 40% sobre as reservas acumuladas por uma professora de ensino médio e de 16,7% por uma servidora. Caetano vê pelo menos quatro problemas nesse modelo.
O primeiro decorre do que os economistas chamam de seleção adversa. Como os bônus terão que ser pagos pelo sistema, isto é, pelo próprio Funpresp, e a adesão é voluntária - o funcionário público não é obrigado a se filiar ao fundo -, o FCBE vai gerar desincentivos à filiação de parte de seus financiadores. "Isso pode causar ciclo vicioso em que poucos homens se filiam ao Funpresp por causa do elevado custo do FCBE, o que reduz ainda mais a adesão masculina e aumenta o custeio do FCBE", explica Caetano.
O segundo problema é que as categorias beneficiadas pelo FCBE tenderão a sobreacumular para receber o bônus - quanto maior for a reserva acumulada, maior será o bônus. Enquanto isso, os demais participantes do fundo terão o incentivo contrário: subacumular para fugir do ônus de financiar o FCBE. "A estratégia ótima para um casal de servidores seria a esposa poupar além e o marido aquém como forma de minimizar o custeio e maximizar o recebimento do FCBE", exemplifica Caetano.
O terceiro risco é de insolvência, afinal, nada garante que o FCBE terá recursos capazes de cobrir os benefícios prometidos. Se a seleção adversa e a reação aos incentivos postos ocorrerem da forma como Caetano está prevendo, e é bastante provável que isso aconteça, o perigo de insolvência será considerável, dado o reduzido tamanho das contribuições dos participantes financiadores do FCBE.
"Ademais, a composição por gênero e atividade dos futuros servidores independe do poder de decisão do Funpresp, tornando alta a imprevisibilidade dos fluxos de receita e despesa do FCBE", adverte o especialista.
Um outro problema é que o pagamento de aposentadorias diferenciadas desrespeita o princípio da contribuição definida, consagrado pelas reformas previdenciárias aprovadas pelo país na última década e meia - até o fim dos anos 90, prevaleceu o sistema de benefício definido, uma forma, insustentável, de aposentadoria integral.
Uma possível solução para esses desequilíbrios seria o Tesouro Nacional, responsável pela contrapartida patronal do Funpresp, aumentar, via elevação de alíquota, sua contribuição ao fundo nos casos das aposentadorias especiais. Não é a melhor saída porque impõe à sociedade um custo adicional, quando o objetivo é diminuir custos, mas pelo menos asseguraria a solvência do fundo.
Há outros problemas na forma como o Funpresp saiu do Congresso. Fruto do corporativismo que impera em instâncias do setor público, a criação de um fundo de pensão para cada poder da República é um tiro no pé porque diminui a economia de escala que um fundo apenas possuiria. Escala permite reduzir custos de administração e aumentar os ganhos dos segurados - no regime de benefício definido, os lucros do fundo de pensão são repartidos entre os participantes.
A proibição de adesão de governos estaduais e prefeituras ao Funpresp é, também, uma limitação sem sentido. Na prática, funciona como um obstáculo à ampliação da previdência complementar no país, uma vez que muitos Estados e municípios não têm escala para criar o próprio fundo. Um outro aspecto condenável do projeto aprovado é o que acaba com a necessidade de terceirização da gestão dos recursos. Isso abre espaço, lembra Caetano, para ingerência política na administração dos fundos.
Ainda é possível corrigir alguns desses equívocos. Com o Funpresp, o Brasil está dizendo ao mundo que, aqui, não existe mais o instituto anacrônico da aposentadoria integral. Mostra também que, no longo prazo, o gasto previdenciário tende a se equilibrar. Haverá uma demanda a menos por aportes do Tesouro (leia-se: da sociedade) para cobrir rombos - em 2011, o déficit das aposentadorias do funcionalismo federal beirou os R$ 60 bilhões, numa escalada preocupante que ainda pode exigir das autoridades alguma medida saneadora.
A criação do Funpresp diminui, portanto, uma das principais fontes do déficit público - os gastos com pessoal ativo e inativo representam 40% da despesa primária da União. Com o tempo, isso ajudará o governo a reduzir o déficit orçamentário, o que, por sua vez, contribuirá para diminuir a taxa de juros com que o Estado brasileiro se financia no mercado.
Um outro efeito positivo do Funpresp é que, ao arrecadar recursos no curto prazo e assumir obrigações de longo prazo (o pagamento de aposentadorias no futuro), ele aumentará a poupança doméstica. Para honrar as obrigações, o fundo terá que investir os recursos em negócios rentáveis, ajudando a financiar a economia e, assim, a reduzir a dependência do país de poupança externa, um dos principais fatores de apreciação da taxa de câmbio.
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