FOLHA DE SP - 10/04/12
Sem que o país chegasse a sabê-lo, a criminalidade avançou no Distrito Federal, solo do Patrimônio da Humanidade que é Brasília, até alcançar as assustadoras médias atuais de três homicídios por dia e de três sequestros-relâmpago diários, entre outros crimes de calibre semelhante.
Dois meses, praticamente, de "operação tartaruga" da polícia levam, em via direta, a uma pergunta óbvia: como é possível tamanho descontrole no território da própria capital do país?
A resposta é simples, apesar do inconveniente de forçar outra pergunta: o seu governador é Agnelo Queiroz -e o que mais faltaria para Agnelo Queiroz confirmar sua rara incapacidade?
Mas, sede do governo federal, Brasília tem, portanto, o convívio de dois governos. E aquele segundo, sobre ter autoridade e responsabilidade extensivas a todo o país, deve tê-las com mais facilidade em sua própria sede, nada menos do que centro da vida nacional.
Brasília está sob as vistas e os pés dos Poderes federais -Executivo, Judiciário, Legislativo- e, portanto, de numerosos braços do poder em condições funcionais e legais de iniciativas contra o crescimento alucinado da criminalidade. Seja ela, ou não, decorrente da "operação tartaruga". E, ao menos em parte, é (consta até que policiais comemoram por internet a ocorrência de mais um crime).
O remédio firme proposto pela legislação seria a intervenção federal no governo do Distrito Federal. Mas Agnelo Queiroz saltou para o PT, o que basta para refrear o remédio, e intervenção em ano eleitoral é problemática.
Intermediações, mobilização da Polícia Federal ou da Força Nacional, condições mais rigorosas sobre Agnelo Queiroz, no entanto, compõem as muitas possibilidades de providência.
Entende-se o descaso, no fundo. A Comissão Pastoral da Terra, ao fechar seu balanço de 2011, constata que houve, em relação a 2010, aumento de mais de 100% dos listados para serem assassinados no campo: são agora 172. Neste ano já foram 30 os mortos.
O relatório do Conselho Indigenista Missionário à ONU relata a morte de 300 índios no Javari (Amazonas), por doenças de branco não tratadas, e mais 250 guarani-kaiowá (Mato Grosso do Sul).
As execuções de integrantes do MST e de outros movimentos seguem com regularidade. Do final de março para cá, ao menos cinco, incluída a trabalhadora rural Dinhana Nink, de 27 anos, morta com um tiro no rosto diante do filho.
É, porém, como se nada houvesse acontecido. Três sequestros-relâmpago e três homicídios por dia no DF da capital do país, da capital Patrimônio da Humanidade?
Não é na enorme São Paulo, não é no Rio dos complexos comunitários. Mas, para os dois governos comprometidos e para os Poderes institucionais, nada aconteceu mesmo. A imprensa, por sinal, também está mal nessa ladainha.
A Unesco criou o belo título de Patrimônio da Humanidade. Nenhum outro componente da ONU teve a ideia de criar o título de Patrimônio da Desumanidade. Ainda bem.
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