O ESTADÃO - 09/04/12
O mundo atual caracteriza-se, cada vez mais, por uma percepção aguda de que os recursos do planeta são finitos. Cabe, evidentemente, a pergunta sobre se essa percepção corresponde ou não à realidade, pois a própria vigência do capitalismo tem mostrado, no curso de sua história, o surgimento de novas formas de exploração da terra e de novos instrumentos científicos e tecnológicos. Em todo caso, nossos governantes se orientam por essa percepção, que se torna uma espécie de guia da ação política.
Surge, daí, uma preocupação legítima desses governantes quanto à propriedade de terras, pois ela acaba sendo inserida num contexto não só econômico, mas geopolítico - ela vem a ser identificada com a soberania nacional. Convém, todavia, distinguir entre uma política legítima de defesa do interesse nacional e posições nacionalistas estreitas, que podem vir a ser um empecilho para o desenvolvimento econômico nacional.
O mundo globalizado não dá guarida a nenhum tipo de nacionalismo estreito, sob pena de o país que o adotar ser o mais prejudicado. O Brasil faz parte desse mundo, ocupando a sexta posição internacional em termos de PIB. Mais precisamente, o País necessita dos capitais internacionais para seu desenvolvimento - condição para a criação de empregos, o aumento da renda e da competitividade.
Ao se voltar para a questão da propriedade de terras brasileiras por governos estrangeiros, por exemplo, o novo parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) inscreve-se numa preocupação legítima de defesa do interesse nacional. Consequentemente, torna-se necessário regulamentar o investimento na compra de terras de tal modo que obedeça a critérios que ordenem a especulação com tais propriedades e o investimento de empresas estatais em nosso país. Caberia, aliás, distinguir entre empresas estrangeiras privadas e empresas estrangeiras estatais, pois seguem objetivos claramente distintos.
Esse novo parecer da AGU alterando o anterior, no entanto, distinguiu empresas brasileiras de capital nacional de empresas brasileiras de capital estrangeiro. No contexto anterior, as duas haviam sido equiparadas, com os mesmos benefícios e obrigações, sempre em claro respeito à lei nacional.
A situação terminou por se complicar ainda mais, pois tal mudança de legislação se fez tão somente por um ato administrativo da AGU, não tendo passado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Foi introduzida, por assim dizer, da noite para o dia uma nova regra que alterou completamente a área de atuação das empresas brasileiras de capital estrangeiro. Note-se que elas operavam normalmente no País e, de repente, foram remetidas à completa insegurança.
O governo está agora debruçado sobre essa questão, assim como a Câmara elabora novo projeto de lei visando a equacionar o imbróglio criado. As idas e vindas se têm multiplicado nestes últimos meses, sem que uma solução satisfatória até agora tenha sido apresentada. Conviria, assim, fazer a distinção entre duas ordens de questões: 1) o estabelecimento de uma regra de transição e 2) critérios para uma solução definitiva do problema.
A necessidade de uma regra de transição diz respeito à insegurança jurídica criada. A própria imagem do País está em questão, pois não se deve, administrativamente, com um parecer que contradiz outro, anterior, do mesmo órgão estatal, alterar abruptamente as regras do jogo mediante norma infralegal. Empresas brasileiras de capital estrangeiro com investimentos em curso não sabem mais como agir. E empresas com investimentos previstos, licenças ambientais já concedidas e negócios em andamento se veem, assim, impedidas de seguir adiante. Os prejuízos econômicos para o País montam a dezenas de bilhões de dólares, incluindo, entre outros, os setores florestal, de papel e celulose, cana-de-açúcar e etanol.
Logo, seria necessária a formulação de uma regra de transição - que poderia ser feita administrativamente ou até por medida provisória - que contemplasse as empresas brasileiras de capital estrangeiro com investimentos em curso. Estas deveriam comprovar tais investimentos por meio de projetos, licenças ambientais, licenças de instalação, protocolos de intenções junto a governos municipais e estaduais ou negociações de compra de terras (contratos particulares de compra e venda). O parecer da AGU não se aplicaria a elas e a segurança jurídica seria restabelecida, tendo ainda como efeito um grande ganho de imagem para o País.
Uma vez restabelecida a segurança jurídica, num trabalho que se apresenta, atualmente, como conjunto entre o governo e a Câmara dos Deputados, conviria estabelecer alguns critérios que, ao mesmo tempo que assegurassem a soberania nacional, sinalizassem uma abertura para o mundo. Mas há que fazer a distinção entre empresas brasileiras de capital estrangeiro com investimentos produtivos diretos no País e investimentos especulativos ou operados por empresas estrangeiras de capital estatal. O Brasil precisa ter um cadastro nacional de propriedades, instrumento confiável que permita não só a regulamentação do setor, mas torne transparente, publicamente, uma base de dados da estrutura fundiária nacional.
Poder-se-ia, igualmente, pensar na aplicação do princípio de reciprocidade. Ou seja, países que não permitem que empresas privadas brasileiras comprem terras em seu território não poderiam exigir tratamento diferente do Brasil. Inversamente, países que acolhem empresas brasileiras na compra de terras teriam aqui tratamento equivalente. Com isso se evitaria qualquer retórica antiempresarial, mostrando um País aberto a tratamentos internacionais equitativos. Exceções seriam tratadas como tal, em função do interesse nacional. Trata-se, aliás, de um princípio amplamente utilizado no mundo diplomático.
O Brasil necessita, urgentemente, do equacionamento dessa questão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário