terça-feira, abril 03, 2012
Mitos enfraquecidos - JOSÉ PAULO KUPFER
O Estado de S.Paulo - 03/04/12
Reportagem da jornalista Márcia De Chiara, publicada no Estadão deste domingo, traz à luz números de um fenômeno em curso na economia brasileira, de grande impacto no funcionamento das relações econômicas e sociais, para o qual ainda não se dá a devida e merecida importância. Trata-se da onda de formalização de empresas e empregados, que ocorre com mais nitidez há cerca de meia dúzia de anos e se acentuou nos últimos 15 meses.
Estudo do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), mencionado na reportagem, mostra que o contingente de trabalhadores informais, no Brasil, excluídos os chamados "por conta própria" e empregadores, nas seis regiões metropolitanas alcançadas pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE, desce a ladeira. Os informais, em 2005, ainda somavam 30% do total de trabalhadores. Em janeiro deste ano, o porcentual mal passa de 20%. E o processo parece longe do esgotamento.
Está ocorrendo, segundo os autores do levantamento, um movimento de contratação formal em massa de antigos informais. A nova realidade, apoiada no aquecimento do mercado de trabalho e em estímulos fiscais, ganhou impulso mesmo sem flexibilizações significativas no mercado de trabalho. "O mercado de trabalho não é tão rígido quanto imaginávamos", conclui Fernando de Hollanda Barbosa Filho, um dos autores do levantamento. Em resumo, segundo ele, os economistas subestimaram o potencial de um ambiente econômico que combina mais estabilidade com crescimento.
Diante do novo quadro exposto pelo mercado de trabalho, mitos de longa duração, como o do valor absoluto da flexibilização das relações de trabalho, quando considerada ferramenta exclusiva e suficiente para a ampliação do emprego, entraram em zona de desconforto. Aliviar a rigidez das regras trabalhistas continuará, sem dúvida, na agenda da eficiência e competitividade econômicas, mas será preciso mudar o disco. Parece claro que, na falta de estabilidade e crescimento, o papel da flexibilização se enfraquece, conforme constataram os economistas do Ibre.
Não se esgotam, porém, nas fronteiras do mercado de trabalho os impactos da nova realidade do emprego no Brasil. São profundos, por exemplo, os seus efeitos fiscais. O mais visível deles vai bater nas contas da Previdência. Falando do regime geral, que se restringe ao setor privado, seu renitente déficit começou a despencar, em sintonia com o aumento da formalização no emprego e da consequente ampliação do volume de contribuições previdenciárias.
Como no caso de uma reforma trabalhista que promova uma adequação da legislação ao padrão de produção atual, cuja necessidade não foi dissolvida pela ampliação do emprego formal, mesmo sem grandes mudanças legais, uma reforma previdenciária que estabeleça limites mínimos de idade para aposentadoria, em linha com os padrões atuais de expectativa de vida, continua na pauta. A diferença é que a nova realidade enfraquece um tipo de visão catastrofista do futuro da Previdência Social.
Há outras consequências importantes no fenômeno da formalização do emprego. A mudança no perfil da arrecadação tributária é das mais relevantes. O fato novo da formalização, que impulsiona o consumo - inclusive potencializado pelo crédito a que os novos trabalhadores formais passam a ter acesso -, é um dos elementos por trás do crescimento das receitas públicas acima do crescimento da economia.
Trata-se, portanto, de fator de pressão sobre a famosa carga tributária. Mas, talvez pela ainda pouca atenção ao fenômeno da formalização na economia brasileira, não se difundiu a ideia de que há algo de novo no reino da carga tributária - e de seus conhecidos mitos.
A formalização do emprego não é fenômeno de geração espontânea. Não ocorreria sem a concomitante formalização de empresas, bem como dos produtos vendidos ou dos serviços prestados. Tudo isso combinado, em ambiente de razoável estabilidade e crescimento, aumenta o potencial de arrecadação fiscal em ritmo mais rápido que o do crescimento da economia, pelo menos até que se complete o ciclo de formalização - o que ainda tem chão pela frente.
É, sim, carga tributária na veia. Só que, no caso, de natureza benigna, que abre espaços não apenas para limpar o capinzal tributário, mas, ao mesmo tempo, simplificar e desonerar a atividade econômica, sem que o governo tenha de abrir mão de recursos para investir e se manter em funcionamento.
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