terça-feira, abril 03, 2012

Desarrumação - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 03/04/12


A História e a vida mostram todos os dias que certas iniciativas produzem efeitos não desejados muito mais importantes do que os pretendidos.

Saul, por exemplo, pretendia apenas achar as mulas do pai, que tinham fugido. Acabou sendo sagrado primeiro rei de Israel pelo profeta Samuel.

Colombo tinha por objetivo encontrar novo caminho para as Índias. Descobriu a América e morreu sem ter-se dado conta disso.

A Pfizer desenvolvia um medicamento para melhorar a circulação sanguínea. Fez o grande campeão de vendas Viagra.

O governo Dilma parece fascinado com certos efeitos colaterais. Os tais mecanismos macroprudenciais, cuja função é regular o crédito ou a atividade bancária, geram também certas consequências anti-inflacionárias.

A queda dos juros, cujo objetivo no sistema de metas de inflação é ativar a demanda de mercadorias e serviços, pode também reduzir o afluxo cambial.

A compra de dólares no câmbio interno pelo Banco Central, concebida para quebrar a volatilidade do câmbio e reforçar reservas (hoje não mais tão necessárias), passou a ser usada cada vez mais para garantir competitividade à indústria.

Políticas de defesa comercial idealizadas para coibir práticas abusivas de comércio exterior são levadas adiante também para salvar a indústria - embora nenhuma delas melhore a capacidade de exportar.

É como se o governo fizesse o seguinte raciocínio: "Se deu certo no caso de Saul, de Colombo e da Pfizer, vamos intensificar a busca de mulas fujonas, de novas rotas marítimas para as Índias e o desenvolvimento de ativadores da circulação".

Como está sendo praticada, a desoneração da folha de pagamentos (que deve ter efeito neutro sobre a arrecadação) pode ajudar em alguma coisinha a melhora do emprego, mas não contribui para reduzir os custos do setor produtivo.

Reduções ou isenções temporárias de IPI antecipam vendas, mas só marginalmente criam mercado. E não melhoram as condições de competitividade do setor produtivo.

Protecionismo comercial não acrescenta nem um dólar sequer às exportações brasileiras. Exigências cegas de conteúdo local dão só a impressão de que fortalecem a indústria. Na verdade, tendem a asfixiar o produtor com novos custos.

Não faz sentido praticar política acelerada de expansão da renda e do consumo interno e, em seguida, cortar salários e aposentadorias com desvalorização cambial e com mais inflação.

A ideia esquisita do ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, de sobretaxar com IOF todas as operações de câmbio para, depois, devolver o produto do confisco às empresas que mostrarem bom comportamento é o mesmo que botar veneno na caixa d'água para controlar a diarreia e distribuir contraveneno, logo após, para evitar resultados indesejáveis.

Essa obsessão por criar efeitos secundários supostamente mais eficazes do que as políticas consagradas leva o risco de desarrumar a economia. A consistência macroeconômica vem sendo substituída por ativismo descosturado e desagregador, cuja principal função tem sido atender os que gritam mais alto em Brasília, especialmente dirigentes da indústria de veículos e do setor têxtil.

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