VALOR ECONÔMICO - 20/04/12
"As evidencias econométricas mostram que as condições internacionais têm sido mais determinantes do que a taxa de juros para a apreciação cambial, porque as condições externas têm flutuado mais do que a nossa taxa de juros", disse o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, ao Valor.
De 2006 para cá, segundo ele, começou a ficar claro que há outros elementos que concorrem com os juros na formação da taxa de câmbio, como os preços das commodities, os prêmios de risco e a situação internacional, tanto da economia americana quanto da crise na zona do euro.
A apreciação desde 2003 - parcialmente revertida nas últimas semanas, mais ainda acentuada - tem uma fatia que é "estrutural" e teve razões distintas, explicou ele em um trabalho que começou a ser desenvolvido no mês passado, quando Barbosa fez uma apresentação sobre as causas da valorização cambial no Brasil, na FGV/SP.
"Em 2003-2005, a valorização foi basicamente uma correção da forte depreciação em 2001-2003 e fortemente influenciada pela Selic. A partir de 2006, começou um boom no preço das commodities e isso influenciou muito o câmbio", explicou.
Se os preços das commodities se estabilizarem, ele acredita que não haverá uma nova onda de valorização do real. Mas a avaliação de especialistas é que ainda haverá uma ou duas décadas à frente em que esses preços tenderão a oscilar num patamar elevado.
Há, também como fator estrutural, a redução na fragilidade financeira do país, com a acumulação de reservas cambiais e a política de geração de superávit fiscal, ao mesmo tempo em que parte do mundo avançado viu essa em fragilidade se aprofundar. Isso por si só já levaria a uma apreciação da moeda, disse.
Outra particularidade que Barbosa identificou na trajetória da taxa de câmbio é que, quando ela entra num processo de apreciação, "chega a um ponto em que o real está tão apreciado que a expectativas dos agentes mudam. Aí ocorre uma depreciação e o processo começa novamente". É um padrão recorrente. Isso quando as expectativas do mercado não mudam antes, por fatores externos, como a crise de 2008 e as flutuações nos preços das commodities.
Assim, a tendência da taxa de câmbio de longo prazo é de apreciação, mas ela vem entrecortada por ciclos mais curtos de desvalorização e valorização. Nesses, o papel da Selic e das operações de "carry trade" são determinantes. "E os derivativos de alta alavancagem magnificam esses movimentos", sublinhou o secretário.
Considerando corretos os cálculos recentes do economista Jim O Neill, do Goldman Sachs, de que o real precisaria de uma desvalorização da ordem de 20% para ficar em um "nível sustentável", e tomando como referência que a moeda está cerca de 30% aquém do que estava quando da edição do Plano Real (em 1994), isso significaria que uns 10 a 15 pontos percentuais da sobrevalorização são estruturais e o restante, conjunturais. Parte da apreciação vem sendo anulada nas últimas semanas, com a desvalorização do real frente ao dólar. Ontem, o dólar encerrou o dia cotado a R$ 1,882.
Barbosa, em síntese, aponta quatro hipóteses para explicar a apreciação da taxa de câmbio. A taxa de juros, que ainda tem sua importância, mas não pode ser vista como a grande vilã da apreciação cambial; maior solidez financeira do país, com mais de US$ 360 bilhões de reservas cambiais e superávits primários ininterruptos; preços das commodities, que depois do choque de alta estão num período razoavelmente estável, e termos de troca; e o aumento do preço relativo dos serviços.
Ele ressalta, é claro, que os juros precisam cair por várias outras importantes razões - para reduzir o custo da dívida interna, permitir o desenvolvimento do mercado de capitais no país e tornar o crédito mais barato, dentre outras. Mas, ao contrário do que muitos ainda imaginam, derrubar a Selic para um padrão mais próximo dos juros internacionais não vai resolver a apreciação da taxa de câmbio nem os problemas dela decorrentes que preocupam o governo, dados os efeitos desse preço sobre a indústria local.
Desde o regime de metas para a inflação, em 1999, que o cumprimento da meta esteve ligado à apreciação cambial. "Historicamente a apreciação cambial foi um instrumento importante para cumprir a meta e este deve ser o primeiro ano que vamos cumprir a meta sem que tenha havido apreciação cambial. Estamos mudando o paradigma", ressaltou.
Outra questão instigante que Barbosa levanta é sobre a própria eficácia dos juros para conter uma expansão inadequada da atividade econômica. " O meu ponto é que o PIB responde mais à política fiscal do que aos juros. Essa é uma evidencia anedótica: mais importante do que a taxa Selic é a resposta da politica fiscal à elevação da Selic."
O aumento dos preços das commodities melhorou os termos de troca "e isso não é necessariamente ruim", salientou. "Em todos os períodos do passado, independentemente dos governos serem democráticos ou não, o Brasil aproveitou os termos de troca favoráveis para fazer mudanças positivas na economia." Foi o que permitiu, disse, a industrialização nos anos 50 a 79, a estabilização no periodo de 93 a 97 e o crescimento com distribuição de renda entre 2005 e 2011.
A partir dessas constatações, Barbosa indica o que considera que deve ser feito pelo governo. Primeiro, manter o regime de câmbio flutuante, que ajusta a economia a choques externos e internos; continuar com a acumulação de reservas, que, com juros mais baixos, terão custos menores de carregamento; e regular os fluxos de capitais.
Em outro front, o governo precisa trabalhar para ajudar a aumentar a competitividade da indústria local. "Hoje, temos que trabalhar não só com a taxa de juros, mas com os tributos, com o preço da energia, na infraestrutura."
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