FOLHA DE SP - 20/04/12
Nos últimos dias, o objetivo do BC foi mostrar ao mercado que o governo quer enfraquecer o real
O governo passou das palavras à ação no mercado de câmbio e está provocando, via compras do BC, a desvalorização do real. Nos últimos 30 dias, a moeda brasileira perdeu mais de 4% em relação ao dólar norte-americano.
Nesse mesmo período, as outras moedas que fazem parte da cesta de moedas dos países emergentes também se desvalorizaram, mas a uma velocidade bem menor.
O dólar canadense ficou praticamente estável, o peso chileno perdeu 1,1% de seu valor, e o peso colombiano, pouco mais de 1%. Mesmo o dólar australiano, moeda identificada como um das mais sensíveis ao crescimento chinês, desvalorizou-se menos do que o nosso real (2%) nesses 30 dias.
Mas a atenção do analista foi para a nova forma de intervenção do BC nos mercados de câmbio. Até agora, as compras oficiais procuravam apenas retirar do mercado os dólares excedentes provenientes das contas comerciais e financeiras, evitando, com isso, o fortalecimento do real.
Nos últimos dias, o objetivo foi mostrar ao mercado que o governo quer enfraquecê-lo, levando a taxa de câmbio acima das previsões do mercado, para o restante de 2012 e mesmo 2013. O que não está claro é: qual é esse novo nível?
Assistimos a mais uma mudança importante na condução da política econômica no governo Dilma em relação aos oito anos do governo Lula. A primeira veio com a política monetária do BC consolidada na mais recente reunião do Copom, anteontem. O sistema de metas de inflação, implantado em 1999, segue agora um novo conjunto de prioridades e uma leitura da inflação, e suas consequências, com nuances diferentes.
O mercado se vê agora diante de outra mudança: uma nova política de administração da taxa de câmbio. Esperamos que o Ministério da Fazenda, via comunicação clara, esclareça seus novos contornos.
O que aparentemente mudou na gestão de um sistema de flutuação suja da taxa de câmbio, como é chamada pelos economistas a forma anterior de atuação do BC -no seu papel de agente do Ministério da Fazenda-, no mercado de câmbio.
Até agora, as intervenções do BC respeitavam alguns parâmetros do mercado, como os movimentos no exterior entre o dólar norte-americano e uma cesta de moedas de países emergentes com grande influência, em suas contas externas, das exportações de commodities. Essa ligação se dava em razão da movimentação dos preços em dólares desses produtos: quando eles aumentavam por questões de demanda, as taxas de câmbio desse grupo de países valorizavam-se, ocorrendo o movimento oposto quando as commodities se enfraqueciam.
Mais recentemente, esse mesmo vaivém entre preços em dólares das commodities e taxas de câmbio de moedas passou a responder às mudanças de percepção de riscos de natureza macro associados à crise na Europa e à desaceleração da economia chinesa.
Apesar desse vaivém imprevisível entre moedas e commodities nos mercados internacionais, seus efeitos sobre a inflação no Brasil sempre foram muito pequenos porque os preços de produtos importantes da cesta de consumo se mantinham constantes em reais.
É fácil entender essa afirmação, pois os movimentos se compensavam entre eles: dólar forte levava a preços menores de commodities, que compensavam a alta do dólar no Brasil, e, no caso oposto, dólar mais fraco levava a preços maiores de commodities, que eram compensados internamente por uma taxa de câmbio mais valorizada.
Foi esse mecanismo de compensação que funcionou durante anos e ajudou o BC no controle da inflação em momentos de preços internacionais em elevação.
Com as atuais mudanças na política cambial, com a volta de um sistema de câmbio fixo, perde-se esse instrumento de proteção dos preços internos dos produtos primários negociados no exterior, como soja, milho e outros. Se mais à frente houver um novo movimento de alta no mercado internacional, seu impacto sobre a inflação interna vai ser de outra natureza. Espero que o BC esteja atento a esse fato.
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